O Brasil está assistindo a um filme de terror. Enquanto o país afunda em uma forte recessão — o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou ontem que a indústria tombou 11,2% em outubro, a vigésima queda seguida na comparação como o mesmo mês do ano anterior —, a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, trocam acusações públicas, ela insinuando que ele é bandido, ele a chamando de mentirosa. Essas são as lideranças responsáveis por definir os destinos do Brasil.
Não à toa, o país está se desintegrando. Desde que a possibilidade do impeachment de Dilma entrou no radar e a Operação Lava-Jato fisgou o presidente da Câmara, a população foi apresentada a cenas de chantagens, barganhas e negociatas, cujo único objetivo foi a manutenção do poder. A tentativa de sobrevivência chegou a níveis tão extremos, que minou qualquer possibilidade de o Brasil construir um plano mínimo de regaste que desse alento à população e aos agentes econômicos.
Muita gente viu como absurdo o comportamento do mercado financeiro, que vibrou com a possibilidade de o mandato de Dilma ser interrompido nos próximos meses. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, classificou a alta da bolsa e a queda do dólar como coisa de especulador. O certo, porém, é que os investidores expressaram um sentimento de basta que domina parte da população. A visão dos poupadores é a de que, quanto antes a petista deixar o Palácio do Planalto, melhor para o país.
A repulsa ao governo de Dilma, ressalta o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, é resultado do estrago que a presidente fez na economia. Para ele, a petista destruiu todas as bases da estabilidade e acabou com a previsibilidade. Não há um só empresário que consiga, hoje, planejar seus negócios. Do lado da população, é grande o temor de perda do desemprego. Ninguém consome porque não sabe se, mais à frente, terá dinheiro para pagar as contas.
Todos reconhecem que ainda não há nenhuma denúncia concreta de corrupção em relação à presidente da República — o que sobra no caso de Cunha. “Mas estamos diante de um governo ineficiente, populista, cheio de corruptos, cuja líder faz parte de um partido que destinou dinheiro não legalizado para o financiamento de campanha”, ressalta Freitas. “Se estivéssemos falando de uma empresa privada, o presidente já teria caído há muito tempo, sem traumas”, acrescenta.
Na avaliação do ex-diretor do BC, o descontentamento com Dilma é tão cristalino que nenhuma liderança empresarial se deu ao trabalho de demonstrar solidariedade a ela. Em julho passado, quando o impeachment entrou no radar, banqueiros e industriais fizeram manifestações públicas de apoio à petista. Posicionaram-se contra um possível afastamento da presidente. “Agora, com o processo em andamento, todos se calaram. Eles sabem que, com Dilma no poder, são mínimas as chances de o país sair do atoleiro”, enfatiza. “Estamos diante de um governo fracassado.”
Contendo o caos
Por mais rápido que seja o processo de impeachment, os traumas serão enormes, explica Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho. “Mesmo que dure quatro meses, o país estará paralisado. O Congresso e o governo só terão olhos para esse tema. Com isso, perderemos um tempo precioso que poderia ser usado para aprovar medidas importantes para o país, como as reformas que dariam fôlego novo à economia”, diz.
Ele ressalta ainda que, no caso de Dilma sobreviver ao processo de impedimento, haverá uma reação negativa enorme, uma vez que os investidores estão convencidos de que o mandato da petista está próximo do fim. “Por isso, fiquei um tanto surpreso com o comportamento de ontem do mercado. Estão todos pensando a curto prazo, mas ninguém sabe o que restará do processo de impeachment”, assinala.
Na opinião de Rostagno, o Brasil entrou em um terreno perigoso demais. E nem a aprovação da meta fiscal deste ano, de rombo de até R$ 119,9 bilhões nas contas públicas, serviu de alento. Na verdade, destacou o economista, evitou o caos. “O deficit fiscal mostra que o governo falhou na promessa de arrumar as finanças do país”, destaca. A promessa inicial era de entregar superavit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, com retomada do crescimento no segundo semestre. “O que vemos, porém, é um quadro de forte deterioração da economia. O governo faz alguns cortes de gastos, mas a queda da arrecadação, decorrente da crise, impede qualquer ajuste”, complementa.
É a questão fiscal, por sinal, que pode levar a presidente Dilma a perder o mandato. Em junho, ela baixou seis decretos autorizando, sem aval do Congresso, gastos de mais R$ 2,5 bilhões. É nesse ponto que está se apegando Eduardo Cunha para aceitar a abertura do processo de impeachment. Dilma estaria desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como fez com as “pedaladas” que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) a recomendar a rejeição das contas do governo de 2014.
Os próximos dias serão de forte tensão. Os números vão mostrar o quanto o desgoverno destruiu ao país. Desemprego, inflação, juros altos, empresas fechando e, pior, uma disputa política que tem tudo para acabar mal. Em vez de comemorar o Natal, os brasileiros terão que salvar a própria pele.
Brasília, 08h30min