O INÍCIO DO FIM

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Os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, tentaram ontem dirimir dúvidas, mas não conseguiram conter a onda de desconfiança que se espalhou entre os investidores por causa da redução radical das metas fiscais deste ano, de 1,13% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), e de 2016 (2% para 0,7%) e 2017 (2% para 1,3%).

Ainda que a grande maioria dos analistas vislumbrasse a incapacidade do governo de entregar os superavits primários prometidos por Levy assim que ele foi empossado no cargo, a sensação que ficou foi a de que a presidente Dilma Rousseff se cansou do arrocho. Passados quase sete meses do segundo mandato, o governo não colheu nenhum bônus do ajuste, mas apenas ônus, o pior deles, a disparada do desemprego, que está sugando o restinho da aprovação que a petista acumula.

Os especialistas veem duas coincidências na mudança de postura do governo em relação ao aperto iniciado logo depois das eleições presidenciais. Há pouco mais de duas semanas, tanto Levy quanto Barbosa tornaram pública a disputa que ambos travavam nos bastidores em torno da meta fiscal. Criou-se uma comoção de que eles estavam em guerra declarada, mas, na verdade, foi um jogo de cena para preparar o terreno à redução do superavit, que, no entender de Dilma, estava pesado demais para uma economia em recessão.

No mesmo período, o Banco Central passou a indicar que o aumento da taxa básica de juros (Selic) estava próximo do fim. Quem conversasse com os diretores da instituição até a primeira metade de junho teria a certeza de que o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne na próxima semana, elevaria a Selic em 0,50 ponto percentual neste mês e em 0,25 ponto em setembro, cravando 14,50% ao ano. Agora, os sinais são de que uma subida de 0,25 ponto, para 14%, já está de bom tamanho para uma economia que pode encolher 2% ou mais neste ano.

Não será surpresa, portanto, se, mais à frente, o BC disser que, em vez do fim de 2016, como prometeu veementemente, a inflação só convergirá para o centro da meta, de 4,5%, ao longo de 2017.

País da especulação

No Palácio do Planalto, é visível o discurso de que o ajuste fiscal se tornou mais político. Com o desemprego em disparada e o risco de queda maior do PIB, passou a prevalecer, entre assessores presidenciais, a visão de que o governo teria que abrir um pouco o torniquete e deixar de lado o discurso de Levy de que, quanto mais rápido for o ajuste, mais rapidamente a economia reagirá. A aposta, neste momento, é de fazer um arrocho mais ameno, diluído por todo o segundo mandato de Dilma, e, assim, reduzir o impacto sobre os eleitores.

Essa postura mais amena do governo no ajuste, por sinal, foi tema de recente conversa entre Dilma e o presidente do Senado, Renan Calheiros, a quem o Planalto quer atrair para se tornar um contraponto ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que rompeu oficialmente com o governo. Renan vinha criticando os excessos de medidas anunciadas por Levy para cumprir a agora abandonada meta de superavit de 1,13% do PIB.

No entender de analistas, o ajuste mais brando pode reduzir as críticas ao governo, sobretudo do PT, o partido de Dilma, que prometeu se juntar à Central Única dos Trabalhadores (CUT) na próxima semana para protestar em frente ao Ministério da Fazenda. Mas, para João Pedro Ribeiro, da Nomura Securities em Nova York, o Brasil ficou mais perto de perder o grau de investimentos, selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de risco. “Tudo está pior desde o início do ano: o desempenho da economia, o ajuste fiscal e o quadro político”, diz.

Para ele, as agências Moody’s e Fitch vão rebaixar o país, igualando a classificação à da Standard & Poor’s (S&P). Assim, o próximo passo das três principais agências do mundo será empurrar o Brasil para o grupo de nações especulativas, do qual saímos depois de anos e anos de esforço e responsabilidade fiscal.

Ribeiro reconhece, porém, que há justificativas para superavits primários menores: a fraqueza da economia, que derruba a arrecadação; a impossibilidade do governo de contar com um ambiente político que ajude a aumentar receitas e a cortar gastos; e a tentativa de sinalizar transparência e realismo nas contas públicas. Com o Tribunal de Contas da União (TCU) no pescoço de Dilma, por causa das pedaladas fiscais do ano passado, teme-se que questionamentos semelhantes venham a ser feitos diante de uma meta considerada irreal.

Filme de terror

Na opinião de Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC e sócio da Mauá Capital, é muito ruim ver que o governo não conseguirá chegar perto do prometido superavit de 1,1% do PIB. Mas, segundo ele, os novos números dão maior realismo ao ajuste diante da situação tão fraca da atividade e, consequentemente, das receitas. “Tudo mostra que estávamos numa situação muito pior do que achávamos”, afirma. “O fato de o governo ter tão baixa popularidade e de o Congresso ter aprovado parcialmente o ajuste pesou muito na situação que vemos hoje (de metas fiscais menores)”, emenda.

Entre os especialistas, diante do afrouxamento do quadro fiscal, não se sabe até que ponto o ministro Levy está firme no cargo. A torcida é para que esteja, a fim de que prevaleça a posição dele, de que o governo não está com licença para gastar. Em meio ao mar de questionamentos, os mais pessimistas — e não são poucos — começam a ver o que definem como o começo do fim, que pode resultar em desemprego acima de 10%, PIB com queda de mais de 2,5% e impeachment da presidente Dilma. Trata-se de um filme de horror que não merecemos.

Brasília, 08h35min