Coluna no Correio: O Rio do desastre

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A decisão do governador interino, Francisco Dornelles, de decretar estado de calamidade no Rio de Janeiro é o sinal mais eloquente do desastre da administração pública do país. Explicita todo o descaso com que o dinheiro do contribuinte é tratado. As máquinas de governo, sejam elas federal, estaduais, sejam municipais, se transformaram em instrumentos para enriquecimento ilícito. Os gestores estão mais preocupados em engordar o patrimônio pessoal e os de amigos próximos do que em prestar um bom serviço à sociedade.

São muitos os exemplos de má administração e ineficiência, quadro que era mascarado pela época de recursos fáceis. Agora, com a grave crise econômica estrangulando as finanças dos governos, todos os problemas se escancararam. A União já indicou que terá pelo menos quatro anos seguidos de rombos nas suas contas — o buraco entre 2014 e 2017 pode, facilmente, chegar aos R$ 500 bilhões. Há, sim, o risco de o Tesouro Nacional se tornar insolvente, caso o Congresso não se movimente para aprovar medidas que viabilizem o ajuste fiscal.

Nos estados e em vários municípios, o calote já foi institucionalizado. Salários de servidores têm sido pagos em parcelas. Aposentadorias e pensões estão atrasadas. Contratos com fornecedores foram rasgados e não há perspectiva de recebimento do que já foi entregue. O resultado disso é uma piora substancial em serviços básicos, como segurança pública, saúde e educação. A população está desamparada. Os gestores, porém, mantêm privilégios como se não houvesse crise. Carros com motoristas, viagens de primeira classe, almoços nos melhores restaurantes, ajuda de custo.

Efeitos trágicos

Especialista em contas públicas, José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), resume bem os tempos de descalabro que estamos vivendo. “O Brasil atravessa uma tempestade que está deixando para trás efeitos trágicos”, diz. Ele ressalta que o setor público não aproveitou o período de bonança para melhorar a gestão. Em vez disso, recorreu ao contribuinte para bancar a ineficiência de uma máquina cada vez mais inchada. O professor é enfático: “O desperdício na administração pública é tão grave quanto a corrupção”.

Na opinião de Matias-Pereira, o Rio de Janeiro, com a declaração de calamidade pública, abriu a porteira. “Estamos vendo apenas o início de um processo de estrangulamento de estados e municípios”, afirma. Ele lembra que o estouro da bolha de ineficiência e incapacidade administrativa se deu justamente com o estado que mais recebeu recursos da União nos últimos anos e mais se beneficiou da alta dos preços das commodities, mais precisamente, do petróleo. Como o preço do óleo despencou, os royalties recebidos pelo estado encolheram 60% desde 2014. A maldição do petróleo abateu o Rio.

O professor reconhece que há, sim, um problema sério no federalismo que rege a distribuição de recursos no país. As manobras promovidas pela União, ao substituir vários impostos por contribuições, que não são compartilhadas com estados e municípios, criaram um sistema que se mostra insustentável. Nada, porém, se equipara ao inchaço que foi promovido na máquina pública nos últimos anos. Não à toa, pelo menos 18 estados estão com a folha de salários do funcionalismo muito acima do limite fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Tempos sombrios

O governo federal acredita que pode minimizar os problemas enfrentados por estados oferecendo benefícios em troca de apoio político — os governadores movimentariam suas bases no Senado para liquidar logo a fatura do impeachment de Dilma Rousseff. Mas, para Matias-Pereira, não veremos luz no fim do túnel tão cedo. Os estados, em sua maioria, e o Distrito Federal avançaram todos os sinais, a ponto de usarem recursos de fundos de previdência e de depósitos judiciais para pagar salários. Essa farra, contudo, acabou, mas as dívidas e os problemas continuam.

O ideal seria que a população, a maior prejudicada pela má gestão, pela ineficiência e pela corrupção, aprendesse a lição e não elegesse mais pessoas despreparadas para os cargos de gestores públicos. O Rio, infelizmente, se tornou um porto seguro para políticos aventureiros, que o levaram, sem qualquer constrangimento, à falência. Não há, porém, sinais de mudança na qualidade dos votos. E não se trata de desesperança. Basta ver os nomes que estão colocados para as próximas eleições para constatar que tudo continuará como sempre foi.

O Rio, a porta de entrada do país, a sede das Olimpíadas, é hoje o pior retrato do Brasil do atraso.

Brasília, 07h01min

Vicente Nunes