O MANTRA DE TOMBINI

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O Banco Central está numa empreitada pesada para esvaziar a percepção dos agentes econômicos de que não há, pelo menos por ora, nenhuma intenção em se cortar a taxa básica de juros (Selic), fixada em 14,25% desde setembro do ano passado. Mas, dentro da instituição, o debate sobre o tema é latente e vem sendo estimulado, sobretudo, pelo presidente do banco, Alexandre Tombini. Ele acredita, fortemente, que há um processo de desinflação contratado que, em algum momento deste ano, permitirá ao Comitê de Política Monetária (Copom) dar a notícia que a presidente Dilma Rousseff tanto anseia.

Na visão de Tombini, a equação para a possível queda dos juros está fechada. Ele acredita que, com os Estados Unidos sendo atingindo pela crise que tomou conta dos países emergentes, do Japão e da Europa, o dólar vai se desvalorizar, reduzindo as pressões sobre a inflação no país. O BC contaria ainda a seu favor com o fato de o Produto Interno Bruto (PIB) estar rodando muito abaixo do seu potencial (hiato do produto) — queda anualizada de 4% — e com o aumento do desemprego. Essa tese é compartilhada por todos os diretores que têm votado pela manutenção da Selic.

Por mais que Tombini e companhia estejam corretos, é preciso ter cautela. O BC não pode apostar todas as fichas de que o câmbio potencializará o trabalho de levar a inflação para menos de 6,5% neste ano e para 4,5% até o fim de 2017, compromissos assumidos pela instituição. Qualquer movimento atípico no exterior tende a fazer estragos nas cotações da moeda norte-americana e a desviar o custo de vida da rota esperada pela autoridade monetária. É essa possibilidade, por sinal, que embasa boa parte das projeções de inflação do mercado para este ano, entre 7,5% e 8%.

Perigos

O risco de o BC errar de novo é alto. E esse alerta já foi feito a Tombini. Para os diretores do banco que têm destoado da maioria e insistido na necessidade de aumento dos juros, em vez de se apegar a possibilidades, a instituição deveria ter feito um ajuste na Selic, mesmo que mínimo. Dessa forma, passaria aos agentes econômicos a percepção de que o compromisso com o combate à inflação é consistente, o que derrubaria as expectativas, que vêm se deteriorando desde setembro do ano passado. Nesse contexto, certamente o Copom já estaria pronto para derrubar os juros e combater a grave recessão.

Técnicos do BC chamam ainda a atenção para o discurso do diretor de Política Econômica, Altamir Lopes, muito alinhado a Tombini, de que as projeções futuras vão cair à medida que a inflação corrente ceder. O mercado admite que, nos próximos meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cairá pelo menos dois pontos percentuais, para pouco mais de 8%. Mas, ainda assim, mantém firmes as estimativas para o indicador deste ano e dos próximos bem acima do centro da meta perseguida pela BC, de 4,5%.

O temor de alguns diretores do BC é de que, ao mostrar uma postura mais flexível com a inflação, a instituição se defronte com dois cenários nada animadores. O primeiro: ser obrigada, mais à frente, a elevar os juros, mesmo com a economia em recessão e o desemprego se fortalecendo. O segundo: aceitar como normal um IPCA rodando entre 7% e 8% ou mesmo cravado em 6,5%, o limite de tolerância previsto em lei.

Levando-se em consideração o histórico do BC no governo Dilma, é mais provável que a segunda opção prevaleça. Desde 2011, ano a ano, o IPCA foi ganhando força sem que a autoridade monetária agisse com vigor para evitar que a carestia alcançasse inaceitáveis 10,7%. Isso aconteceu apesar de o país ter afundado em uma recessão de 4% e dos movimentos de alta da Selic, anulados pela desconfiança em relação à política monetária e à farra fiscal, para qual a equipe de Tombini fechou os olhos.

Histórico ruim

Quem acompanha de perto o debate dentro do BC garante que as discussões são civilizadas. As divergências são colocadas sem que haja hostilidades por parte do grupo dominante. E é assim que deve ser. O importante é que as decisões que venham a ser tomadas não comprometam ainda mais a frágil situação do país. O Banco Central, como todo o governo Dilma, errou demais nos últimos anos e impôs custos pesados à população.

Tombini e companhia não podem se apoiar na torcida do que pode acontecer ou do que querem que aconteça. É preciso ser firme e realista. O BC já queimou toda a sua reserva de credibilidade. Precisa ser um forte contraponto ao Ministério da Fazenda, que voltou a flertar com medidas nada convencionais na área fiscal. Se alguém se der ao trabalho de pesquisar, verá que parte dos poucos avanços que o ex-ministro Joaquim Levy conquistou já foi revertida sem que ninguém de bom senso do governo levantasse a voz para repelir.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes