O jornalismo está de luto: morre José Antônio Severo, repórter até o fim

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ELMAR BONES, da Editora Já

Morreu nesta sexta-feira, 24 de setembro, o jornalista e escritor José Antonio Severo, aos 79 anos. Em mais de meio século como repórter, editor, diretor, ele passou pelos principais veículos de comunicação do país. Desde o Jornal do Dia, de Porto Alegre, onde começou, seguindo por Veja, Realidade, Exame, Reuters, Estadão, Gazeta Mercantil, TV Bandeirantes e Rede Globo. Sempre deixou a marca de um talento exuberante e generoso.

Hospitalizado havia duas semanas, continuou conversando, escrevendo e respondendo a mensagens até o último momento, quando foi levado para o centro cirúrgico, segundo conta sua mulher, a cantora Célia Mazzei. À tarde, antes de morrer, conversou com o sobrinho Alberto sobre a situação do Afeganistão e da economia brasileira. Pouco depois, falou com o editor Edgar Lisboa, sobre um artigo que havia escrito para ser publicado no fim de semana. Sugeriu algumas alterações e encerrou o telefonema: “Vou ter que desligar, vou entrar para uma cirurgia agora”.

Era diabético e contraiu covid no início do ano. Embora tenha se recuperado rapidamente, desde então, sua saúde ficou instável, com perda crescente de imunidade, obrigado a sucessivas internações e até uma cirurgia para extrair a vesícula. Ele voltara ao hospital para tratar de uma hemorragia no pulmão e foi isso que o levou à cirurgia no fim da tarde de sexta-feira, à qual não resistiu.

Um profissional inquieto

Gaúcho, de Caçapava do Sul, Severo cresceu no campo e sempre lembrava da infância em meio às lides campeiras na estância da família. Estava disposto a seguir essa vida aos 16 anos, quando mudou-se para Porto Alegre e matriculou-se na Escola Técnica de Agricultura de Viamão, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Formado, obteve o primeiro emprego na Secretaria Estadual da Agricultura, e aí descobriu sua vocação. Tinha facilidade para escrever e foi designado para o Serviço de Informação Agrícola, onde passou a produzir um “Informativo Rural e Econômico”. Inquieto, teve a ideia de viajar pelo estado, produzindo matérias para o informativo e suas reportagens chamaram atenção. Foi convidado, em 1964, para ser editor do suplemento rural do Jornal do Dia, jornal católico editado em Porto Alegre.

Uma reportagem sobre o preço da carne rendeu-lhe outro convite, do jornal O Estado de S.Paulo, para um estágio na capital paulista. Antes do fim do estágio, estava contratado, emplacando matérias de capa, que o levaram à condição de repórter especial. Em 1968, quando a Editora Abril montou a equipe para lançar a revista Veja ele se inscreveu e foi selecionado.

Mas foi na revista Realidade, pouco depois, que se tornou conhecido por suas reportagens sobre esportes radicais, vivenciadas e narradas na primeira pessoa. Era reconhecido na rua e ficava constrangido: “Eu devia estar fazendo matérias de denúncia à ditadura e, em vez disso, estava me divertindo fazendo coberturas de esportes”.

Um revolucionário no jornalismo da tevê

Essa inquietação levou-o de volta a Porto Alegre, onde assumiu a direção da Folha da Manhã, mas a experiência não durou dois anos e retornou à imprensa paulista. Nessa época surgiram os primeiros textos mais longos. Pretendia que se tornassem roteiros de séries para a TV.

A Guerra dos Cachorros, editado pela LPM, transpunha para São Paulo o fenômeno das matilhas de cães selvagens que assolavam os campos nos tempos do Rio Grande primitivo. No cenário urbano, os cães simbolizavam uma revolta dos animais pelo tratamento que recebem dos humanos. Ele considerava um projeto frustrado. A Invasão, de 1978, também publicada pela LPM, é uma “reportagem-ficção” sobre uma mudança de regime político no Brasil.

Um outro desafio, porém, se apresentou e, em 1979, foi trabalhar na Rede Globo. Primeiro como repórter do Jornal Nacional e, pouco depois, como editor-chefe do Jornal da Globo, do qual foi um dos criadores.
Ainda era uma época em que os profissionais do jornalismo impresso resistiam ao telejornalismo. Ali nasceu o formato existente hoje, com bancadas compostas por jornalistas — até então, eram locutores que liam as notícias no ar.

Mesmo em outras funções, sempre se considerou “um repórter 24 horas por dia”, rigoroso em relação aos fatos. “Não tenho apego ao texto, sempre dei total liberdade aos editores para que mexessem. Só me fixo na precisão dos dados”, dizia. Sempre jovial e entusiasmado, gostava de conversar com os mais jovens e dava conselhos: “Não se levem muito a sério. Levem a sério a notícia” ou “O leitor não é abstrato. Tem que escrever para o leitor”.

Paixão pelo cinema

A experiência na TV, também reavivou uma paixão da infância, o cinema. “Quando vínhamos para Porto Alegre, eu e meus irmãos emendávamos uma sessão na outra”, lembrava. Do encontro com o escritor e cineasta Tabajara Ruas nasceu o produtor e roteirista. Escreveu Os senhores da guerra, romance histórico, pensando na versão cinematográfica. No drama de dois irmãos em conflito, resume o período sangrento no início do século XX, em que o Rio Grande do Sul se dividiu entre “Chimangos” e “Maragatos”.

A pesquisa para essa obra levou-o a uma incursão pelas guerras pela conquista do extremo sul da América, Percorreu a região por um ano e, por um ano e meio, isolou-se com uma pequena biblioteca numa casa na praia do Santinho em Florianópolis, onde produziu General Osório e seu Tempo, obra de quase mil páginas, painel impressionista da formação do extremo sul da América.

Nos últimos dois anos, trabalhou na pesquisa para o roteiro da série 200 Anos da Independência, produzido pela TV Cultura de São Paulo, para exibição em 2022. Da pesquisa resultou um livro com o mesmo título que será editado na data.

Vicente Nunes