A política está envolvida até o pescoço nesse crime inaceitável. Como ressaltou o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo, o esquema de corrupção, que consistia na liberação de licenças para a comercialização de produtos fora da lei, irrigou o caixa do PP, partido do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e do PMDB. Historicamente, as duas legendas, mesmo nos governos petistas, sempre lotearam a pasta. Em troca de apoio político, o governo entregou as superintendências regionais do ministério para apadrinhados políticos. Sabendo da propensão à corrupção de muitos deles, as empresas não se intimidaram em oferecer propina para ver seus interesses atendidos ou irregularidades protegidas.
Isso mostra o quanto o sistema está contaminado pela corrupção. Esperava-se que a Lava-Jato, que completou três anos ontem, justamente no dia em que a Operação Carne Fraca foi colocada na rua, tivesse contribuído para reduzir a corrupção. Infelizmente, não. Os crimes contra o país continuam sendo cometidos na cara dura. Que se danem os cofres do governo e a saúde pública. Entre jogar no lixo carnes estragadas e registrar as perdas nos balanços, os frigoríficos preferem reembalá-las e vendê-las ou mesmo triturá-las e fazer embutidos que são incluídos no cardápio da merenda escolar.
Estado paralelo
Em vez de um discurso veemente de repúdio às empresas que desdenham dos consumidores, o governo tenta baixar a poeira, alegando que o estrago da Operação Carne Fraca na economia pode ser grande, seja por reduzir o consumo interno, seja por prejudicar as exportações. Para o Palácio do Planalto, os frigoríficos são grandes e importantes empregadores neste momento em que se tenta tirar o país da recessão. Ninguém, porém, está questionando a importância desse setor para a economia. Grandes ou pequenas, as empresas não podem cometer crimes como os revelados pela Polícia Federal. O mínimo que se espera delas é respeito aos consumidores, ofertando produtos de qualidade.
Em qualquer país sério do mundo, a população daria início a um boicote às marcas envolvidas nas irregularidades. Certamente, veremos protestos em parte dos 150 países para os quais exportamos carnes de boi, de frango e de porco. Lá fora há consciência de que empresas que não respeitam as regras mínimas de saúde e do mercado devem ser banidas. Aqui, porém, campanhas embaladas por artistas famosos vão amenizar os fatos até que as denúncias da Polícia Federal caiam no esquecimento. Vamos ouvir, de novo, atores e apresentadores de tevê dizendo que se pode confiar nessa e naquela marcas, pois seus produtos são consumidos na casa deles. Alguns nem sequer comem carne. Estão preocupados apenas em engordar a conta bancária.
A Polícia Federal já avisou que a Operação Carne Fraca foi a primeira de várias que estão por vir. Há muito mais a ser desvendado sobre a organização criminosa que tomou de assalto o Ministério da Agricultura e corrompeu servidores que deveriam proteger os interesses dos consumidores. Resta saber se, diante de tantas evidências de crimes, o governo deixará que os frigoríficos, grandes financiadores de campanha, continuem atuando num Estado paralelo, sem lei. O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, tem muito a dizer sobre isso. Afinal, ele se dirigia a um dos líderes do esquema, o fiscal agropecuário Daniel Gonçalves Filho, como o “grande chefe”.
Brasília, 10h10min