O fantasma de Cunha

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Há um incômodo grande entre os técnicos do governo quanto à capacidade do presidente interino, Michel Temer, de levar adiante as tão esperadas reformas da Previdência Social e trabalhista. Os movimentos na política indicam, até agora, mais fragilidade do que força para mexer com direitos e privilégios. O discurso de posse do peemedebista, no qual ele pregou a necessidade de um governo de “salvação nacional”, ainda não ecoou no Congresso.

O ideal, na avaliação de integrantes da equipe econômica, era que Temer seguisse o exemplo do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, que, logo depois de tomar posse, assinou com os três maiores partidos do país, incluindo os de oposição, o que se chamou de Pacto do México. Pelo acordo, os parlamentares se comprometeram a aprovar, no Congresso, um amplo programa de reformas, da área fiscal à bancária, do setor de telecomunicações à educação.

Diante do compromisso público, mesmo com a gritaria de segmentos contrários às mudanças, os políticos não puderam recuar. Tiveram que garantir dois terços do Congresso para alterar regras constitucionais importantes. Quem olha hoje para o México percebe um país muito melhor. As insatisfações dos que perderam espaço com quebra de monopólios, eliminação de incentivos e reserva de mercado, ainda continuam latentes. A economia, porém, cresce a quase 3% ao ano, o desemprego está ligeiramente acima de 4% e a inflação, oscilando entre 2% e 3% ao ano.

Aberração

Aqui, destacam os técnicos, a impressão é de que Temer está dependente de apenas uma pessoa, o deputado afastado Eduardo Cunha, para levar adiante as reformas. Esse sentimento cresceu depois da escolha de André Moura, do nanico PSC, para líder do governo na Câmara. O parlamentar representa o que há de pior na política, é acusado de homicídio e de surrupiar verbas públicas. Contudo, sem o apoio dele e o aval de Cunha, dificilmente propostas tão impopulares, como a imposição de idade mínima para a aposentadoria, terão condições de avançar no Legislativo. Uma aberração.

Não à toa, gente importante da equipe econômica teme que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tenha a mesma sina de Joaquim Levy: o fracasso, ou seja: prometa muito e não entregue nada. O ministro, porém, se diz confiante. Afirma que o desenho político fechado pelo presidente interino garante apoio suficiente para tirar do papel medidas duras, mas necessárias para reverter o descalabro econômico.

Meirelles acredita que o fato de algumas medidas, como a reforma da Previdência, atrasarem um pouco não será problema, desde, é claro, que, quando chegarem ao Congresso, o governo tenha votos suficientes para evitar revezes. Para o ministro, o custo político já está dado. Pior será não fazer nada, uma vez que o desastre econômico inviabilizará qualquer composição com a sociedade, à qual caberá a maior parte da fatura.

Ares de traição

O ministro da Fazenda assegura que tem apoio suficiente para enfrentar corporações e interesses muitas vezes não revelados. No entender dele, é importante que o governo faça uma ampla campanha de esclarecimento para não deixar qualquer dúvida sobre o que está sendo proposto e os resultados que podem ser alcançados. É preciso vencer a batalha da comunicação, pois o tom usado pelos que são contra as mudanças é alto e o discurso, bem articulado.

Para um governo acusado de golpista por parte da população, o desafio se torna maior. As mudanças propostas ganham ares de traição. Mas, conforme frisa Meirelles, não há como fugir da luta. O projeto que está sendo proposto tem por objetivo maior retirar o país da recessão e prepará-lo para a rota do crescimento, possivelmente já em 2017. Na visão do ministro, a partir do momento em que as medidas para o ajuste fiscal ficarem prontas e as reformas chegarem ao Congresso, o governo terá condições de virar o disco e colocar na rua uma agenda pró-desenvolvimento.

Gente qualificada da Esplanada vê Meirelles como um grande otimista, mas reconhece a importância de o governo tê-lo como maestro. O senão está na enorme dependência de Temer de Eduardo Cunha, que já deveria ter tido o mandato cassado e ter sido expulso de Brasília. Quanto mais o presidente afastado da Câmara se sentir fraco, mais ele exigirá do governo para que os asseclas deles, que são muitos, removam barreiras no Congresso.

Esse, infelizmente, é o Brasil que temos, cheio de obstáculos, com uma classe política que está longe de ter a capacidade necessária para entender os anseios da população. Meirelles e sua equipe acreditam que podem funcionar como contraponto importante. Tomara não sejam abatidos antes mesmo de levantarem voo. O risco disso acontecer não é desprezível. Está no radar de todos os investidores, que andam inquietos e ariscos.

Brasília, 06h30min

Vicente Nunes