RODRIGO CRAVEIRO E PAULO DE TARSO LYRA, enviados especiais
Pequim — Mais de 15 mil quilômetros separam a América Latina da China. A distância, no entanto, não é obstáculo para o comércio. No ano passado, as relações bilaterais entre os dois povos chegaram a US$ 216 bilhões (cerca de R$ 708 bilhões). Nos oito primeiros meses de 2017, foram movimentados US$ 166,7 bilhões (ou R$ 547 bilhões). O presidente chinês, Xi Jinping, visitou 10 países da região nos últimos quatro anos, manteve encontros multilaterais com quase todos os líderes e promoveu intercâmbio de agendas sobre governança e sobre temas de importância regional e mundial. “Nós alcançamos vários acordos e resultados, algo sem precedentes no desenvolvimento de nossas relações”, comemora Zhang Run, vice-diretor-geral do Departamento de Assuntos de América Latina e Caribe do Ministério de Assuntos Exteriores da China.
O interesse de Pequim em investir na região, sobretudo no Brasil, remonta aos tempos de governo de Dilma Rousseff, quando os chineses participaram de leilões de exploração dos campos do pré-sal. Em 2013, ao lado da Petrobras, da anglo-holandesa Shell e da francesa Total, as estatais chinesas CNPC e CNOOC fizeram uma oferta única e venceram o leilão do campo de Libra, o maior campo de petróleo descoberto do país. Eles ganharam o direito de exploração, por 35 anos, com expectativa de investimentos de R$ 400 bilhões ao longo desse período.
De lá para cá, o apetite aumentou. Dados da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China indicam que, em 2017, os chineses pretendem investir mais de US$ 20 bilhões em ativos brasileiros — número 87% maior que o do ano passado. O Correio apurou que o ímpeto de investimentos precisa transpor uma barreira: a instabilidade política do país. “É claro que o Brasil nos interessa, mas precisamos ter a certeza de qual será o rumo de vocês. Isso deve ficar mais claro depois das eleições do ano que vem, quando será escolhido um novo presidente”, confidenciou um executivo de uma empresa chinesa.
As relações com a América Latina estão respaldadas pela filosofia de Xi. Durante o 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, o presidente defendeu a abertura de mercado e traçou o mapa do caminho para que a sua nação consolide a posição de liderança até 2050. “Nós confiamos no desenvolvimento comum de todos os países em desenvolvimento, incluindo os da América Latina e do Caribe. O presidente Xi propôs sérias estratégias e ideias para aperfeiçoar essa cooperação, com metas de desenvolvimento para as nossas relações. Nos últimos cinco meses, temos feito progressos extraordinários, e as mudanças têm sido profundas no campo diplomático para com esses países”, admite o vice-diretor da chancelaria chinesa.
Presença
Além do Brasil, que exporta carne para a nação asiática, a China mantém forte presença no Chile, na Colômbia e no Peru. De acordo com Zhang, o Chile substituiu a Tailândia e se tornou o maior fornecedor de frutas secas para a China — as exportações em 2015 atingiram US$ 1,2 bilhão, principalmente de cerejas. A América Latina e o Caribe se tornaram o segundo maior destino internacional de investimentos chineses, superados pela Ásia. “Nós instalamos mais de 2 mil negócios nessas regiões, e os investimentos acumulados diretos alcançaram os US$ 207,15 bilhões — 15,3% do total mundial. No ano passado, nossos empreendimentos adquiriram campos de petróleo brasileiros, em um negócio de US$ 3,77 bilhões”, explicou o diplomata.
No Peru, a mina de cobre de Las Bambas, uma das maiores em construção no planeta, recebeu injeção de US$ 10 bilhões de empresas chinesas. Companhias da China estão construindo sete hidrelétricas no Equador. Surpreendentemente, a parceria política com nações como Cuba, Venezuela e Bolívia, de mesmo alinhamento ideológico com Pequim, não se reflete em alianças econômicas. “Nós gostamos de negociar com governos ditos de direita. Eles respeitam contratos firmados e não criminalizam os lucros”, disse o executivo da empresa chinesa consultado pela reportagem. “Em países governados por socialistas, fica mais fácil para entrarmos. Mas é praticamente impossível crescermos lá dentro.”
Professora da Faculdade de Estudos Internacionais da Universidade de Pequim, Guo Jie admite que a relação se tornou mais compreensiva e balanceada. “Ela parece mais integrada à estratégia diplomática do governo chinês como um todo”, disse à reportagem. “De fato, a América Latina é muito importante em termos de aumentar o engajamento econômico global da China.” Guo lembra que o desenvolvimento econômico tem sido a missão central do governo Xi. “Nos últimos anos, temos visto novas plataformas e mecanismos de ambos os lados para ampliarem a cooperação bilateral ou multilateral, tornando essa relação mais sustentável e inclusiva.” Para Matt Ferchen, especialista do Carnegie Endowment for International Peace, a China impulsionará essa cooperação diplomática e econômica. “A Iniciativa da Rota da Seda provavelmente receberá mais atenção, no formato de ideias de cooperação em infraestrutura”, prevê.
Depoimento
Comércio em aceleração
“A cooperação entre o nosso país e as nações da América Latina e do Caribe alcançou um progresso histórico. As iniciativas anunciadas pelo presidente Xi Jinping para a região foram bem implementadas. Em janeiro de 2018, nós realizaremos a segunda reunião de ministros da China e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Santiago do Chile. A cooperação pragmática tem se acelerado. Desde 2015, por causa do cenário internacional, houve leve queda no comércio. Onde há crise, existe oportunidade. Fizemos da cooperação industrial uma façanha. Promovemos a cooperação pragmática 1 (um plano) +3 (três motores: comércio, investimento e cooperação financeira) 6 (seis campos: energia, infraestrutura, construção, agricultura, manufatura e inovação científica e tecnológica). Nossa estrutura de comércio se aprimorou.”
Zhang Run, é vice-diretor-geraldo Departamento de Assuntos de América Latina e Caribe da chancelaria chinesa
Pontos de vista
Vantagens especiais
Por GUO JIE
“A Iniciativa da Rota da Seda poderia ser comparada a uma cesta aberta, a qual suspostamente deveria ser preenchida com projetos de categorias idênticas ou similares. Ainda que a América Latina e o Caribe não tenham sido incluídos no documento, não significa que a região esteja fora do jogo. O Brasil, sob o meu ponto de vista, tem vantagens especiais para ser parte disso. Na condição de maior economia da região, o Brasil tem sido parceiro-chave da China em diferentes áreas, passou a ser o mais atraente destino para investidores chineses na América Latina e é um dos membros fundadores do Banco de Investimentos em Infraestrutura Asiática (AIBB).”
Professora da Faculdade de Estudos Internacionais da Universidade de Pequim
Mudança drástica
Por MATT FERCHEN
“Para a China, a América Latina e o Caribe continuam a ser uma região de importância por motivos comerciais e diplomáticos. Comercialmente, a América do Sul é parceira-chave de Pequim, fornecendo materiais brutos e oferecendo um mercado para exportações e investimentos chineses. A China inclui a América Latina em sua diplomacia ‘Sul-Sul’, com regiões como a África. Tanto na frente econômica quanto na diplomática, a situação mudou dramaticamente desde a decolagem das relações, no início dos anos 2000. Economicamente, o boom de commodities, ocorrido entre 2003 e 2013, definitivamente se encerrou.”
Especialista em relações políticas e econômicas com países emergentes do Carnegie Endowment for International Peace
Brasília, 12h01min