“O desespero eleitoral está levando o governo à insanidade fiscal”, diz Gil Castello Branco

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ROSANA HESSEL

O desespero do presidente Jair Bolsonaro para gastar sem freios em 2022, a fim de evitar o aumento galopante da rejeição nas pesquisas e pavimentar a reeleição no ano que vem, pode fazer o chefe do Executivo cometer vários crimes de responsabilidade fiscal. E essa lista não inclui apenas as famosas pedaladas que abriram espaço para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, de acordo com o especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas.

“Esse desespero eleitoral está levando o governo à insanidade fiscal”,  alertou Castello Branco, alertando para a falta de critério do governo na busca de recursos para ajudar no aumento da popularidade do presidente e agradar os aliados do Centrão. Segundo ele, uma das medidas cogitadas pela equipe econômica, como o uso de recursos de privatizações para a criação de programas sociais, é proibido pelo Artigo 44 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “É vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, salvo se destinada por lei aos regimes de previdência social, geral e próprio dos servidores públicos”, diz o artigo.

Na avaliação de Castello Branco, o calote institucionalizado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) — que prevê o adiamento no pagamento de precatórios — nada mais é do que uma pedalada fiscal. A proposta ainda prevê a criação de um Bolsa Família mais robusto que vem sendo chamado de Auxílio Brasil e pode ter um fundo para custeio com recursos de privatizações que deverá ser contabilizado fora do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior –, que é será outra burla das regras fiscais.

Apesar de prever uma folga de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões no limite do teto em 2022, graças à inflação mais alta, esses recursos não serão suficientes para saciar a gana populista de Bolsonaro, que, historicamente, nunca foi um liberal de carteirinha. Já Paulo Guedes vem rasgando todos os manuais do liberalismo econômico e colocando o orgulho de lado para permanecer no poder. O superministro está cada vez mais enfraquecido e desacreditado entre os colegas economistas, pois já perdeu a maior parte do orçamento da pasta para Onyx Lorenzoni, com a criação do Ministério do Trabalho e Previdência, e ainda perdeu Bruno Bianco como secretário-executivo de Onyx, porque Bolsonaro escolheu Bianco para substituir André Mendonça na Advocacia-Geral da União (AGU).

“O governo está tentando dar uma pedalada em dívidas com precatórios que ele poderia ter se programado melhor, porque essas bombas fiscais são mapeadas anualmente com o STF durante a elaboração do Orçamento. Agora, querer criar uma terceira instância para negociar o pagamento de uma ação que não cabe mais recurso é uma afronta ao Judiciário e gera insegurança jurídica”, afirmou. O fundador da Contas Abertas destacou que o fato de o governo querer parcelar em até 10 anos, acima dos cinco anos previstos hoje na Constituição caso o valor de uma determinada dívida supere 15% dos precatórios totais, não deixa de ser “curioso”.

“No desespero eleitoral, o governo está preparando um ‘pacote de bondades’ que vão na contramão da LRF. A principal é o ‘Auxílio Brasil’, um Bolsa Família mais robusto, com maior número de beneficiários, valor médio elevado e, inclusive, um botijão de gás a cada dois meses para as pessoas que integrarem o programa. Como não há recursos para bancar essas iniciativas”, afirmou Castello Branco. “O governo vai ‘ fabricar dinheiro’ com mágicas fiscais que incluem o desrespeito ao teto de gastos, o descumprimento da LRF, a pedalada dos precatórios e o uso de recursos não recorrentes ( dividendos de estatais) para a criação de programas sociais definitivos”, acrescentou o especialista que monitora com lupa as contas públicas.

O secretário-geral da Contas Abertas lembrou ainda que, quando defendia a PEC 187/2019, conhecida como a PEC dos Fundos, a equipe econômica pretendia extinguir fundos e vinculações, porque havia bilhões de reais parados em “gavetinhas” e que poderiam ser melhor aplicados. “Agora, apenas nessas discussões de adiamento de precatórios e do novo Bolsa Família, as autoridades falam em criar mais dois novos fundos, na contramão do discurso anterior”, afirmou.

Assim como Castello Branco, especialistas da área jurídica alertam para o risco de inconstitucionalidade da PEC dos precatórios que Paulo Guedes vem prometendo enviar ao Congresso e que já teria encaminhado a proposta ao ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, líder do Centrão, que sinalizou que só deverá enviar a matéria ao Legislativo na semana que vem.

Não à toa, o mercado financeiro está preocupado com essa movimentação e com o preço da governabilidade no Congresso que Bolsonaro está pagando, pois parece ser bem alto. Como reflexo, a curva de juros e o dólar sobem e o mercado acionário vem oscilando entre perdas e ganhos nos últimos dias. O Índice Bovespa está mais perto dos 120 mil pontos do que do recorde de quase 131 mil pontos de junho.

E Bolsonaro precisa do novo Bolsa Família mais robusto para conter o aumento da avaliação negativa do governo junto aos mais pobres, que são a maioria da população. Conforme a segunda edição da pesquisa qualitativa sobre as eleições de 2022 da Genial/Quaest, a rejeição de Bolsonaro é crescente entre os mais pobres, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste. E como a inflação persistente poderá encolher a folga do limite de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões, estimada pelo Tesouro Nacional, parece que o desespero tirou o governo do prumo e a agenda econômica liberal ficou só no gogó.

Vicente Nunes