O charme de Temer para o baixo clero

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LEONARDO CAVALCANTI

Christiane Yared, Bruna Furlan, Goulart, Peninha, Luiz Lauro Filho, Wilson Filho, Roberto de Lucena e Evandro Gussi. Mesmo um leitor mais atento aos movimentos políticos pode não ser capaz de reconhecer os nomes dos deputados federais recebidos ao longo do dia de ontem por Michel Temer. São políticos do baixo clero, assim chamados pela falta de importância nos trabalhos do dia a dia do Congresso, mas que, no atual momento da política brasileira, foram recebidos com pompas e circunstâncias no Palácio do Planalto. O presidente dedicou a cada um deles meia hora na agenda, algo impensável em outros tempos, mesmo para quem é reconhecido pelo fino trato com os colegas da Câmara e do Senado.

Temer não se encontrou apenas com os oito listados acima, mas também dedicou 30 minutinhos aos deputados Ronaldo Fonseca, daqui do Distrito Federal — o primeiro a ser recebido, às 8h —; Lelo Coimbra; José Priante; Anibal Gomes; Alfredo Kaefer; Átila Lins; Darcísio Perondi e Sinval Malheiros. Também foram até o Planalto os senadores Wilder Morais, Ataídes Oliveira, Telmário Mota, Roberto Rocha, Pedro Chaves e José Maranhão. Não foi só. O presidente esteve com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, e com o chefe do PR, Valdemar Costa Neto — este último cidadão, fora da agenda. A lista infindável — pode ter chegado a 30 — mostra como governistas estão tensos quando o assunto é a análise da denúncia de corrupção passiva contra Temer.

Jogo possível

O Planalto deseja o apoio de pelo menos 40 dos 66 integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mas, hoje, pode não chegar nem mesmo à metade dos votos. Por isso, os convites desenfreados aos políticos. Há três hipóteses a serem consideradas a partir das agendas pública e secreta do presidente. A primeira delas é mais otimista. O governo, atento às dificuldades impostas pela crise política, joga o jogo possível na tentativa de se manter no poder. Não há nada de ilegítimo em receber parlamentares no palácio, afinal, fazer política é uma das funções presidenciais. Imbuídos do mais puro sentimento de permanecerem dirigindo o país, os peemedebistas tentam conquistar apoios suficientes para continuar no comando do país.

A segunda hipótese é a de que o Planalto tem perdido tempo tratando da crise, a ponto de gastar um dia inteiro para receber parlamentares. A atenção dada ao baixo clero apenas reforça a paralisia do governo para tratar de outros temas que não seja a denúncia de Rodrigo Janot com base na delação de Joesley Batista, dono da JBS. Só para ilustrar, estamos, até o momento, sem ministros da Cultura e da Transparência, o que revela a dificuldade do Planalto em focar em temas prosaicos, como escolher titulares para pastas. Sim, é possível dizer que o mesmo ocorreu com Dilma Rousseff e que, no caso dela, houve uma incompetência dupla no período antes da queda: perdeu tempo encalacrada com a crise de então e não conseguiu sobreviver. A incapacidade da petista, que jogou o mesmo jogo, é um fato — por mais que nunca venha a admitir tal coisa.

Toma-lá-dá-cá

A terceira e última hipótese foi apresentada pelo Correio na reportagem “Cargos e emendas para satisfazer a base”, de Paulo de Tarso Lyra e Renato Souza. Publicada na segunda-feira, 3, a reportagem revelava como o governo abriria os cofres e distribuiria cargos. Logo na largada, duas dificuldades. Em fevereiro, o Planalto havia chancelado o contingenciamento de R$ 40 bilhões no Orçamento, aí incluídas as emendas parlamentares, e loteado, entre a base aliada, os principais cargos de segundo e terceiro escalões na tentativa de aprovar as reformas trabalhista e previdenciária. Assim, a ginástica do Planalto para convencer os deputados e senadores a salvarem o governo não foi das mais fáceis ontem, numa agenda que começou às 8h e só terminou às 22h.

E aqui chegamos a um impasse principal. Se nas negociações das reformas para o bem da saúde do país, já é questionável o toma-lá-dá-cá com os parlamentares, imagine quando o expediente é usado na sobrevivência política. E vale repetir a análise de Gil Castelo Branco, presidente da ONG Contas Abertas: “O grande problema é que esses recursos não são do governo, são nossos, o que pode jogar por terra o ajuste fiscal”.

Brasília, 13h01min

Vicente Nunes