Depois de apresentar um mundo paralelo na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro terá de encarar o Brasil real, que, em nenhum momento, foi citado no discurso de terça-feira (21/09) a chefes de Estado.
O primeiro choque de realidade veio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que recomendou a todos os integrantes da comitiva que foi à ONU que fiquem de quarentena, pois tiveram contato direto com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, diagnosticado, em Nova York, com covid-19.
A contra-gosto, Bolsonaro foi obrigado a cancelar sua agenda de hoje e uma viagem que faria, na sexta-feira (24/09), ao Paraná. O presidente relutou, mas integrantes de sua equipe o convenceram a não desrespeitar uma orientação da Anvisa, até para não minar a credibilidade da agência.
Nesta mesma quarta-feira, às 18h30, Bolsonaro terá de engolir mais um aumento da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central. Se cumprir o que prometeu, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevará a taxa Selic em 1 ponto percentual, de 5,25% para 6,25% ao ano.
Juros mais altos do que os entregues por Temer
Ao que tudo indica, o BC terá que continuar aumentando os juros até o primeiro trimestre de 2022 se quiser conter a inflação, que está em disparada e, em 12 meses, já encosta em 10%. Isso significa dizer que, daqui a 45 dias, quando o Copom voltará a se reunir, os juros já estarão acima dos 6,5% anuais entregues por Michel Temer a Bolsonaro na transferência de governo.
A inflação, que está destruindo o poder de compra da população, sobretudo a mais pobre, está sendo puxada, entre outros fatores, pela alta do dólar. A moeda norte-americana tornou-se refúgio para os investidores, assustados com a crise política provocada pelo presidente da República.
Com os juros mais altos, a inflação alta, o dólar proibitivo e a crise política em alto grau, o crescimento econômico está perdendo força e a perspectiva de muitos economistas é de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça abaixo de 1% em 2022, quando Bolsonaro deverá tentar a reeleição.
Tudo isso, com a pandemia do novo coronavírus matando, em média, 500 brasileiros por dia — nos próximos dias, o país alcançará a trágica marca de 600 mil mortos pela covid —, com a Amazônia sendo desmatada a uma velocidade assustadora, o Pantanal pegando fogo e as terras indígenas, invadidas por garimpeiros ilegais.
O Brasil real, do qual Bolsonaro quis fugir em discurso na ONU, está escancarado e numa situação terrível. Porém, não há como fugir dele, mesmo que se insista em criar um mundo paralelo.
Brasília, 15h10min