E2B44588-18E7-4736-95CA-1C1448CD5EBD

O Brasil está doente, normalizou o ódio, a intolerância

Publicado em Economia

O distanciamento permite, muitas vezes, nos desvencilharmos de conceitos aos quais estávamos agarrados — ou pelo menos nos faz questioná-los, o que é o início de um longo processo de melhora como pessoa. Os 10 meses que estou em Portugal me levaram a perceber o quanto estava preso a um país doente, que normalizou o ódio, a intolerância.

 

O assassinato, a machadadas, de quatro crianças de 4, 5 e 7 anos nesta quarta-feira (05-04), em Blumenau, Santa Catariana — o estado em que há mais células nazistas —, é a síntese de como o Brasil piorou e se tornou um local hostil para se viver. Pior, as pessoas, no geral, não se comovem mais com a barbárie. Quando alguém é morto, apenas se ouve, foi mais um. Vamos ao próximo. Como assim?

 

Não pode um menino de apenas 13 anos, uma criança, matar a facadas uma professora. Não pode um agente policial assassinar um jovem com nove tiros e ferir outra pessoa porque não conseguiu comprar uma pizza brotinho. O que é isso? Que país é esse em que alguém decide que pode tirar a vida do outro somente porque foi contrariado ou porque está com raiva?

 

Não quero dizer que Portugal é o paraíso. Não é. O país se apresenta como o sexto mais seguro do mundo, mas, rotineiramente, há casos de assassinatos, de assaltos, de estupros. Mas as pessoas ainda se comovem. E, sim, ainda é um lugar seguro para se viver, num mundo em que o respeito pelo outro está indo pelo ralo.

 

Enalteço, por exemplo, o fato de se poder usar celular tranquilamente nas ruas sem a preocupação de ser roubado ou morto. Fico encantado com tantas mulheres atravessando o Rio Tejo de barca, de madrugada, sem o temor de serem violentadas em alguma esquina quando estiverem indo a pé para casa. É um alívio ver idosos, sozinhos, sacando dinheiro no caixa eletrônico à noite certos de que estão protegidos.

 

No Brasil, nada disso é mais normal. Pelo contrário, o normal é sentir medo, se privar da liberdade de andar a pé, de usufruir das facilidades que nos são oferecidas. A vida não vale mais nada. Como alguém pode entrar em um creche e matar a machadadas crianças que deveriam ser protegidas, cuidadas, amadas?

 

Os últimos quatro anos foram devastadores no que se refere ao respeito à vida, ao respeito ao próximo. Incitou-se o ódio às mulheres — os casos de feminicídio são assustadores —, aos integrantes da comunidade LGBTQIA+ — o Brasil é onde mais se mata por causa da orientação sexual —, aos negros — esses, eternamente discriminados. E estão matando crianças.

 

Estamos diante de um Brasil armado até os dentes. Até quando vamos aceitar tanto descalabro? Até quando veremos o Estado leniente com a barbárie? As cidades estão dominadas pelo poder paralelo, pelo crime organizado. O nosso algoz está logo ali. Basta a primeira discordância para uma vida ser ceifada.

 

O Brasil está doente. A sociedade brasileira está doente. Todos nós precisamos de um bom tratamento. Temos de voltar a nos indignar com a violência. Não podemos mais normalizar o absurdo. É urgente retornarmos à racionalidade antes que seja tarde demais. A próxima vítima pode ser qualquer um de nós.