O Brasil cai na real

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POR ANTONIO TEMÓTEO

Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, parte significativa dos empresários e dos economistas passou a acreditar piamente que o governo de Michel Temer teria condições de aprovar um pacote robusto de medidas para tirar o país do buraco. A escolha de Henrique Meirelles para comandar a política fiscal do país e a de Ilan Goldfajn para presidir o Banco Central (BC) deu ao mercado a certeza de que a heterodoxia seria deixada de lado na condução da economia.

Nas palavras de um banqueiro, o país caminhava a passos largos para pular de um precipício com a gestão petista e, a partir das mudanças políticas, virou de costas para o desfiladeiro. O avanço, relativamente rápido, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos na Câmara dos Deputados mantinha analistas e empreendedores confiantes na recuperação do país. Àquela altura, quatro ministros já haviam caído por motivos pouco republicanos. Mas a euforia ainda imperava.

Quem conhece Brasília e entende um pouco da dinâmica patrimonialista que impera nas relações entre o Executivo e o Legislativo temia que a lua de mel entre o poder público e o setor privado durasse pouco tempo. Boa parte dos ministros de Temer e do segundo escalão de sua gestão também participou dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma. A possibilidade de que essas pessoas fossem investigadas pela Lava-Jato sempre foi altíssima.

Durante os seis primeiros meses da administração Temer, Meirelles e Ilan ganharam no “gogó” as batalhas da guerra das expectativas. As estimativas dos economistas para a inflação, os juros e o crescimento econômico melhoraram significativamente. De fato, o BC mudou sua comunicação e deixou claro que trabalharia para resgatar o tripé macroeconômico. Mas nenhuma medida concreta saiu do papel, a não ser uma queda de 0,25 ponto percentual da taxa básica de juros (Selic). Muito mais em função da recessão profunda do que da queda significativa da inflação corrente.

Em muitos momentos polêmicos, as questões políticas foram deixadas de lado e o mercado manteve o otimismo. Foi assim quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) perdeu o posto de ministro do Planejamento, após gravações de Sérgio Machado indicarem que ele era favorável a medidas para “estancar” a prisão de políticos. Foi assim também quando a mesma Câmara que havia aprovado a PEC dos gastos quis anistiar o crime de caixa dois em eleições passadas.

Realismo

O otimismo passou a se transformar em incerteza somente quando a confiança não se traduziu em melhora na economia real. Os indicadores antecedentes da indústria, do comércio, de serviços e os investimentos se mantiveram no fundo do poço. As estimativas para a retração da economia em 2016 chegaram a 3,5%. E quem esperava alta do Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 1% para 2017 revisou suas projeções. Reservadamente, alguns analistas já temem que a economia continue em recessão. Além disso, o desemprego continua a crescer significativamente. Nos últimos 12 meses até outubro, 1,5 milhão de brasileiros perderam o emprego.

O país só caiu na real após o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero revelar que era pressionado pelo então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira, para que ela liberasse a obra de um edifício em Salvador (BA) no qual possui um apartamento. Ficou claro que um ministro da estrita confiança de Temer usava do cargo público para defender os próprios interesses.

Economistas e empresários ouvidos reservadamente temem que o governo tenha sérias dificuldades para aprovar a reforma da Previdência no próximo ano, após a divulgação da delação premiada da Odebrecht. Além disso, ressaltam que, a depender do clima político em Brasília, as mudanças nas regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) podem nem ser aprovadas.

Um economista que preferiu anonimato e que conhece os meandros da capital federal avalia que o governo Temer conseguirá aprovar apenas a PEC dos gastos e com muita dificuldade a reforma da Previdência. “Como o presidente enfrenta uma batalha por vez não conseguirá mudar as regras trabalhistas, como prometeu, ou fazer uma reforma tributária”, destaca.

Ele lembra que o segundo semestre de 2017 será contaminado pelas discussões de alianças para as eleições do ano seguinte. E, em 2018, como é praxe, os políticos deixarão o Congresso às moscas para fazer campanha. Quem se iludiu com a perspectiva de mudanças profundas começa a colocar os pés no chão e a reconhecer que o país ainda não deixou o fundo do poço e terá uma missão árdua para se reequilibrar.

No fim das contas, mais pessoas ficarão desempregadas, mais empresas fecharão as portas e o Brasil continuará a ser conhecido como o país da corrupção e dos voos de galinha. Economistas, empresários e trabalhadores começam a cair na real.

Brasília, 05h20min

Vicente Nunes