Novo arcabouço ainda tem regra frouxa para o teto, segundo analistas

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ROSANA HESSEL

Apesar da comemoração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da aprovação do texto base do novo arcabouço fiscal, ontem, pelo plenário da Câmara dos Deputados, com 372 votos favoráveis, especialistas em contas públicas estão fazendo as contas e alertam para problemas do texto do relator, deputado Claudio Cajado (PP-BA), que ampliou em até 2,5% acima da inflação o limite das despesas, em 2024 e em 2025. Segundo eles, o novo teto ainda ficará frouxo durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não à toa, a Bolsa de Valores de São Paulo apresenta queda acima de 1% e opera abaixo de 109 mil pontos na tarde desta quarta-feira (25/4), por volta das 14h.

“A nova versão apresentada pelo relator e aprovada pela Câmara não muda essencialmente a versão anterior, mas torna a regra ainda mais complexa. A principal mudança foi alterar a definição arbitrária de crescimento do gasto em 2,5% para 2024, mas a nova redação entrega o mesmo resultado, e haverá expansão no teto do limite. A nova regra segue sendo proposta de forma a não ensejar restrição efetiva ao governo durante o mandato e é demasiado frouxa”, destacou Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, em entrevista ao Blog.

Na avaliação de Barros, que foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal,  apesar de o texto manter o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e o piso da enfermagem dentro do limite de despesas, o descasamento entre a correção do ano seguinte do novo teto pela inflação de 12 meses até junho poderá ser usado para ampliar os gastos. “Se no fim de 2024 a despesa tiver crescido acima dos 70% do aumento da receita, a diferença será ajustada na base de cálculo de 2025”, alertou ele, lembrando que o mecanismo é muito complexo e colide com o timing para o acionamento dos gatilhos para contenção de gastos. No entender dele, o limite de 95% do gasto obrigatório sobre o gasto primário total como gatilho para as medidas corretivas “segue mal calibrado”.

Para Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, em uma avaliação geral, “as mudanças promovidas foram neutras”. “Embora tenha reduzido o mínimo de investimentos e ampliado o alcance do contingenciamento, a proposta ainda deve permitir uma expansão significativa do limite nos próximos dois anos”, alertou o analista, em relatório enviado aos clientes.

“O relator retirou da nova versão a elevação automática de 2,5% do limite de despesas de 2024, mas permitiu ao governo que, em maio do próximo ano, se as estimativas apontarem que 70% da variação da receita do ano será superior àquela definida para reajuste do limite de despesas na Lei Orçamentária Anual (LOA), a diferença poderá ser incorporada ao limite até o valor máximo de 2,5%. Contudo, caso o valor realizado de 2024 seja menor que o estimado, implicando que a ampliação do limite deveria ser menor, a diferença deve ser descontada na base de 2025”, destacou.

“Em resumo, o novo texto acaba dando voltas para chegar ao mesmo ponto: o limite de despesas deve ser corrigido em 2,5% acima da inflação em 2024 e 2025, já que receitas adicionais decorrentes de medidas que entrarão em vigor, nos próximos meses, possibilitarão ao governo atingir esse patamar”, acrescentou.

Diante desse quadro ainda com incertezas em torno do arcabouço fiscal — que ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal — , dificilmente o Banco Central vai antecipar uma queda da taxa básica da economia (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, enquanto a votação nas duas casas do Congresso não for concluída. O ex-diretor do Banco Central Tony Volpon, em entrevista ao Correio, prevê mudança na Selic apenas a partir de setembro.

Vicente Nunes