Nove em cada 10 brasileiros foram discriminados em serviços públicos de Portugal

Compartilhe

Os serviços públicos em Portugal são, em grande parte, gratuitos e universais. Por lei, servidores não podem deixar de atender quem quer que seja, mesmo estando a pessoa em situação irregular. Na prática, porém, a discriminação impera, como mostra a terceira edição do projeto #MigraMyths, elaborado pela Casa do Brasil com apoio da República Portuguesa.

Os dados são alarmantes. Nove em cada 10 brasileiros (91%) ouvidos pela pesquisa afirmaram ter sido vítimas de discriminação. Quando se olha para o grupo total de estrangeiros que vivem em Portugal legalmente, 81,7% sofreram algum tipo de preconceito, sendo que 59,8% apontaram a xenofobia como principal problema. Outros 28% reclamaram do preconceito linguístico e 12,2%, de racismo.

As maiores vítimas de intolerância são as mulheres: sete em cada 10. Os centros de saúde de Portugal aparecem como campeões de intolerância, com 34,3% das queixas, seguidos pelo sistema financeiro, com 17,5%, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com 16,1%, pelas universidades, com 15,3%, pelo sistema de seguridade social (Previdência), com 8,8%, e pelos hospitais, com 8%.

Medo de retaliação

A pesquisa mostra, ainda, que 89,1% dos estrangeiros vítimas de intolerância não denunciaram os casos, muitas vezes por não acreditarem em punições efetivas. Também há o medo de retaliação, porque dependerão de atendimentos futuros. Na avaliação dos inquiridos, será preciso uma mudança profunda de cultura entre os servidores públicos para que o desrespeito diminua.

Entre as medidas apontadas como necessárias para tornar os serviços públicos mais tolerantes aos estrangeiros, a principal (29,5%) é uma melhor formação dos servidores. Para 28,4%, é preciso mais educação daqueles que estão à frente dos trabalhos. Outros 22,6% defendem campanhas de conscientização e 19,5% pedem mais informações sobre seus direitos.

Responsável pelo projeto MigraMyths, a vice-presidente da Casa do Brasil, Ana Paula Costa, diz que a pesquisa permite traçar um diagnóstico sobre a realidade enfrentada pelos estrangeiros em Portugal, evidenciar as experiências de discriminação e sistematizá-las. “São experiências que as pessoas imigrantes enfrentam no seu dia a dia, mais especificamente sobre a discriminação nos serviços públicos”, ressalta.

A estudiosa reconhece que está se tratando de um problema complexo, “pois envolve várias dimensões, como falta de recursos materiais, humanos e financeiros nesses serviços, alta carga de trabalho dos funcionários públicos e casos que precisam de mais atenção”. Além disso, acrescenta Ana Paula, falta informação e disseminação dos direitos das pessoas imigrantes e sensibilização dos funcionários públicos, que, muitas vezes, acabam por reproduzir preconceitos e estereótipos.

“É importante considerar que os serviços públicos fazem a ligação entre o Estado e os cidadãos. É por meio deles que as pessoas, imigrantes e nacionais, têm acesso a seus direitos, bens e serviços públicos, pelo que é preciso garantir que nenhuma pessoa seja discriminada em Portugal em função da nacionalidade, cor, gênero, origem ou qualquer outro marcador social”, enfatiza. No total, quase 700 mil estrangeiros vivem em Portugal, dos quais um terço é de brasileiros.

Vicente Nunes