A nova onda do conservadorismo

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A inesperada vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos reforça o quanto o conservadorismo está na moda no mundo, ainda que muita gente insista em não ver isso. Mais do que as justificativas dos eleitores do republicano, são as declarações em favor dele que circularam pelo globo o sintoma mais claro do quanto parcela relevante da população está flertando com modelos que se consideravam ultrapassados. Sem constrangimento, aberrações como racismo, xenofobia, protecionismo, intolerância surgiram como salvação para todos os males dos tempos modernos.

Infelizmente, a volta ao atraso só está no começo. O movimento liderado por Trump está se enraizando por todo o planeta. Daqui por diante, veremos uma guinada muito rápida do mundo em direção à extrema direita, sobretudo nas economias mais avançadas, que ainda não aprenderam a lidar com o forte fluxo migratório provocado por guerras incessantes. O Brasil já dá suspiros nessa direção. As últimas eleições municipais alçaram ao protagonismo políticos que jamais teriam espaço num quadro de normalidade. O desastre da esquerda no comando do país facilitou o surgimento de aventureiros.

Para Vitória Saddi, sócia da SM Management, por mais que Trump tenha adotado um tom conciliador no discurso de vitória, os riscos de os Estados Unidos optarem por um fechamento são enormes. A maioria dos norte-americanos, especialmente os do interior do país, nunca se conformou com a postura progressista do governo de Barack Obama. Mesmo nos redutos de vanguarda, em que o Partido Democrata, de Hillary Clinton, sempre prevaleceu, a onda conservadora ganhou contornos preocupantes. “Voltou o domínio do americano médio, que olha apenas para o próprio umbigo”, afirma.

Vitória é americana e sabe muito bem o que diz. O que dá um alento, ressalta ela, é o fato de os EUA terem instituições muito fortes, o que deve frear o ímpeto intempestivo de Trump. “Isso não impedirá, porém, o retrocesso”, assinala. Ela prevê, por exemplo, o fim do Nafta, acordo comercial que une os Estados Unidos, o Canadá e o México. Não por acaso, acrescenta Bruno Foresti, do Banco Ourinvest, o peso mexicano foi a moeda que mais sofreu ontem após o anúncio do resultado das eleições na principal potência do planeta. O peso saltou de 18 para 21 por dólar.

Tensão no ar

Tanto Vitória quanto Foresti acreditam que os investidores, mesmo mais aliviados no fim das negociações de ontem, não baixarão a guarda em relação a Trump. Haverá, de agora em diante, uma cobrança enorme para que o sucessor de Obama comece a revelar qual será sua política econômica e de quem ele se cercará. Todos sabem que o discurso antiglobalização não será posto totalmente em prática, assim como muitos não acreditam que o republicano conseguirá resgatar o modelo de indústria que vigorou nos EUA até meados dos anos 1990. A revolução tecnológica liderada pelos norte-americanos não permite tamanho retrocesso. Nesse ponto, parte expressiva dos apoiadores de Trump vai se decepcionar rapidamente.

Quanto ao Brasil, pelo menos até janeiro de 2017, quando o futuro presidente dos Estados Unidos tomará posse, os especialistas acreditam que os investidores tendem a priorizar as questões internas. O avanço, no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos públicos pela inflação do ano anterior tenderá a minimizar as incertezas que vêm de fora. “Por isso, não vejo o dólar a R$ 3,50 ou a R$ 3,60, como mostram algumas previsões. Os preços da moeda têm espaço para subir, mas não tanto”, diz o responsável pela área de câmbio do Ourinvest.

Seja como for, a tensão está no ar. O mundo terá de aprender a lidar com Donald Trump e com sua imprevisibilidade. Os tempos não são para amadores. “O próximo país a embarcar nesse movimento conservador será a França, que terá eleições no próximo ano”, acredita Vitória. Não se pode, com isso, dizer que caminhamos para o fim do mundo. Uma nova era começou. E nada indica que será para melhor.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes