ROSANA HESSEL E HAMILTON FERRARI
A equipe econômica está fazendo as contas para anunciar, até o fim de agosto, a revisão das metas fiscais deste ano e de 2018. Já está certo que não há como se limitar aos deficits previstos, de até R$ 139 bilhões e de até R$ 129 bilhões, respectivamente. Cálculos preliminares indicam que, dentro do aperto que se vê nas contas deste ano, com a máquina pública a ponto de parar, o rombo de 2017 deve ficar entre R$ 150 bilhões e R$ 155 bilhões. Se prevalecer uma meta nesse patamar, o governo poderá reduzir um pouco o contingenciamento de R$ 44,9 bilhões e diminuir o estresse por receitas extraordinárias. A previsão é arrecadar algo perto de R$ 20 bilhões com leilões nas áreas de petróleo e de energia elétrica.
O clima no governo diante dessa situação é de apreensão. Apesar de toda a equipe econômica e de o presidente da República, Michel Temer, terem a exata noção da situação dramática das contas públicas, a ordem é preparar um discurso consistente para quando o anúncio de mudança nas metas for feito. O governo não quer provocar uma onda de desconfiança entre os investidores. Foi justamente o compromisso assumido na figura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que a atual administração seria responsável do ponto de vista fiscal, que manteve a calma nos mercados mesmo com toda a crise política e a possibilidade de Temer perder o mandato. “Tudo o que não precisamos neste momento é de mais crise”, diz um integrante do círculo mais próximo do presidente.
O problema não está só no mercado ou na oposição. Na própria base do governo há críticas. “A minha posição é que a meta fiscal fique onde está. Não é correto gerar mais R$ 30, 40, 50 bilhões de gastos para a população pagar”, afirma ninguém menos do que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Essa foi uma das três frases sobre o rombo fiscal que ele publicou.
Está acertado que todo o processo de mudança nas metas será conduzido por Meirelles, visto como fiador da política fiscal. Esse acordo foi fechado entre Temer, Meirelles e o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, quando foi batido o martelo para o polêmico aumento de impostos sobre os combustíveis. O presidente pediu cautela aos ministros, para não alimentar rumores, sobretudo neste momento em que o Palácio do Planalto precisa dedicar toda a sua energia para derrubar, na Câmara dos Deputados, a licença para que Temer seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva.
Guerra política
A pressão pela mudança das metas fiscais começou na área política do Planalto, com o apoio do senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-ministro do Planejamento que segue como eminência parda na pasta. Com base em informações repassadas pelo ministério, o senador deu início a um movimento para mostrar que, ante o aperto que se vê nas contas, os deficits previstos não seriam factíveis. Para que fossem alcançados, a máquina pública pararia por completo, ampliando o desgaste já sofrido pelo governo, que foi obrigado a suspender serviços importantes, como a fiscalização nas estradas pela Polícia Rodoviária Federal e a emissão de passaportes pela Polícia Federal. Também havia o risco de quase metade das agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) parar nos próximos meses.
Na visão da área política, não havia por que Meirelles insistir em metas inviáveis. O próprio Jucá lembrou, nas conversas sobre o assunto, que o ministro da Fazenda não deveria ter sido tão cabeça dura ao fechar o Orçamento de 2017. Para o senador, o governo deveria ter adotado uma meta de rombo de até R$ 170 bilhões, no qual poderia, tranquilamente, absorver a forte queda na arrecadação por causa da recessão, além de evitar que o governo ficasse tão dependente de receitas extraordinárias, que não vêm se confirmando. Também evitaria o desgaste do aumento de impostos.
“O importante é que, agora, depois de se dar conta de que as metas deste ano e de 2018 são inviáveis, Meirelles deu o braço a torcer. Caiu na real”, afirma um ministro com amplo trânsito no Planalto. Ele garante que ninguém quer criar confusão no governo ou no mercado. O que se pretende é dar uma cara mais realista ao deficit público e evitar o colapso da administração federal. “São esses os argumentos que estão sendo usados nas conversas internas do governo. Da mesma forma que Meirelles sempre defendeu a transparência das contas públicas, defendemos metas mais realistas”, acrescenta.
Sondagens
Antes mesmo de Meirelles, Temer e Dyogo assumirem a necessidade de mudança nas metas fiscais, técnicos da equipe econômica já vinham sondando com alguns analistas qual seria a reação se o governo anunciasse rombos maiores nas contas públicas. A resposta foi sempre a mesma: não havia como o governo insistir em objetivos que não serão alcançados. Na visão dos analistas, a atual equipe tem credibilidade suficiente para fazer as alterações nas metas, desde que apresente números consistentes. O que não se pode, dizem, é repetir os erros cometidos por Dilma Rousseff, que maquiou números e desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), algo que lhe custou o mandato.
A mediana das estimativas do mercado compiladas pelo Prisma Fiscal, sondagem realizada pelo Ministério da Fazenda, é de um rombo de R$ 145 bilhões, sendo que as mais pessimistas chegam a um rombo de R$ 182,3 bilhões. Para 2018, as previsões de deficit chegam até a R$ 166 bilhões e, como se trata de um ano eleitoral, os gastos tendem a ser maiores ainda e as receitas extraordinárias não devem se repetir na mesma intensidade deste ano.
O especialista em contas públicas Bruno Lavieri, sócio da 4E Consultoria, destaca que, se o governo mudar a meta, o deficit deste ano não pode ser maior do que o do ano passado. O governo central registrou um rombo de R$ 154,2 bilhões, pelos dados do Tesouro Nacional. “Essa é a melhor sinalização que o governo precisa dar de que estão tentando reduzir esse rombo. Ele não pode ultrapassar esse valor porque, se ele for maior, a interpretação do mercado é que há descontrole e a confiança que ainda existe será perdida”, alerta.
Lavieri conta que o resultado das contas de junho elevou o risco de descumprimento da meta deste ano, pois o deficit do mês passado, de quase R$ 20 bilhões, ficou bem maior do que o mercado esperava, mais do que o dobro. “As despesas estão aumentando, e não é apenas o gasto com pessoal que cresce acima da inflação. As transferências aos estados e municípios aumentaram 11% no acumulado em 12 meses, o que é preocupante também porque dificulta o ajuste”, ressalta. Ele reconhece que a queda de braço entre a área política e a econômica para a liberação de gastos é o que pode prejudicar o cumprimento da meta.
Equívocos
Especialistas avisam ainda que é preciso evitar novos equívocos, pois qualquer sinal de enfraquecimento de Meirelles pode enterrar de vez qualquer chance de Temer continuar no cargo. “É o ministro Meirelles que está conseguindo manter o pouco de credibilidade que existe no governo. Ele deu credibilidade para o Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato e agora está fazendo o mesmo para Temer”, avalia o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleisher. Ele lembra que existe um desconforto entre a área política e a econômica e as pressões de Temer por recursos para liberar emendas em troca de apoio de parlamentares são inevitáveis nesta crise política atual.
Um levantamento feito por Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas abertas, mostra que o fluxo de empenho para emendas de parlamentares cresceu fortemente entre junho e julho, pois R$ 4,1 bilhões dos R$ 4,3 bilhões previstos para o ano foram liberados até 24 de julho. Castelo Branco lembra que esse movimento corrobora para a dificuldade no cumprimento da meta fiscal, mas ele não deixa de ressaltar que o governo se meteu nessa arapuca por ser muito otimista nas projeções. “Houve um excesso de otimismo ao apostarem que o crescimento econômico viria logo e que a receita cresceria o dobro do PIB. Agora, as despesas não cabem no orçamento”, avalia.
Para a economista e especialista em contas públicas Selene Peres Nunes, uma das autoras da LRF, outro equívoco do governo que está ajudando o descumprimento da meta neste ano foi a série de aumentos generosos aos servidores concedida no ano passado. Isso ajudou o gasto com pessoal aumentar R$ 26,7 bilhões neste ano. “O governo criou uma despesa que poderia ter sido evitada. Agora, optou por aumentar combustíveis, uma medida que afeta toda a população, para custear parte do custo do privilégio de uma pequena parcela”, lamenta.
Selene destaca ainda que muitas das receitas que o governo está prevendo podem não se concretizar e, nesse caso, serão necessários mais cortes. “Se essas receitas se concretizarem, o governo conseguirá cumprir a meta, mas continuará dependente de receitas atípicas”, explica. Esse cenário, na avaliação do economista-chefe do banco Haitong, Jankiel Santos, é o mais preocupante. Para ele, pior do que não cumprir metas é o fato de o governo continuar altamente dependente de receitas extraordinárias para atingir o resultado a que se propõe, já muito ruim. “É preciso atacar os problemas estruturais para conter o aumento acelerado de despesas”, destaca Santos.