O Banco Central rasgou o atual regime de metas de inflação. A instituição deixou claro ontem, por meio do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), que não trabalha mais com objetivos anuais para o custo de vida. Agora, vai perseguir a meta “num horizonte prolongado” de tempo. O presidente do BC, Alexandre Tombini, havia assumido, publicamente, que entregaria a inflação em 4,5% no fim de 2016. Mas foi derrotado pela realidade. Sem ajuste fiscal e com a economia mergulhada em uma profunda recessão, não há nada que a autoridade monetária possa fazer neste momento. A não ser rezar e esperar. Não é a primeira vez que o BC adia a missão de entregar a inflação na meta. Desde que a presidente Dilma Rousseff tomou posse, em janeiro de 2011, a instituição nunca conseguiu levar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o objetivo determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Sempre postergou a tarefa. Capturada pelo Palácio do Planalto, a diretoria do BC optou pela leniência no combate à carestia, baseada na visão de que um pouco mais de inflação traria mais crescimento. A instituição reduziu juros, para alegria de Dilma, mesmo com o IPCA sistematicamente próximo do teto da meta, de 6,5%. O Produto Interno Bruto (PIB), contudo, só afundou. É verdade que, num rompante para tentar reconstruir sua credibilidade, o BC de Tombini começou a elevar a taxa básica de juros (Selic) logo após a reeleição de Dilma, em outubro do ano passado. A Selic atingiu, em julho último, 14,25% ao ano, o maior nível em nove anos. Mesmo assim, a inflação não caiu. Muito pelo contrário, disparou e corre sério risco de fechar o ano em 10% ou mais. Boa parte desse índice decorre do ajuste das tarifas públicas, que ficaram represadas do primeiro mandato da petista como forma de enganar a população durante a disputa eleitoral. Era esperado, portanto, que, para 2016 e os anos seguintes, as projeções de inflação cedessem e ficassem ancoradas no centro da meta. Num primeiro momento, os especialistas deram crédito à promessa de Tombini. Mas, aos poucos, foram percebendo que a autoridade monetária estava encurralada, pois o principal condicionante para que o custo de vida orbitasse em torno de 4,5%, o ajuste fiscal, estava saindo do controle. As perspectivas para o IPCA se deterioraram por completo. Na avaliação do economista-chefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho, o piso para a carestia no ano que vem está se fixando em 7%. Ninguém acredita mais em inflação na meta. É possível que, diante da desconfiança generalizada, nem em 2017 e 2018 o BC consiga cumprir sua missão. Além de o ajuste fiscal ter feito água, com o superavit primário deste ano, de 0,15% do PIB se transformando em deficit de quase 1%, o dólar continuará apontando para cima, pressionando o custo das empresas e o bolso dos consumidores. Insolvência Para não admitir por completo que perdeu a batalha da inflação, o BC deixou as portas abertas a um possível aumento dos juros. No comunicado de ontem, no qual explicou por que manteve a Selic em 14,25% ao ano, assegurou que se manterá “vigilante”. Trata-se de um discurso velho, sem efeito. O BC sabe que, com o país atolado na recessão e a incapacidade do Tesouro Nacional de suportar novas altas da Selic, já que a dívida pública está em trajetória explosiva, será apenas um observador atento, sem espaço para agir. Juros mais altos significam tombo maior no PIB e um importante detonador de uma onda de desconfiança em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos em dia. Essa perspectiva de insolvência vem ganhando corpo nas últimas semanas e já está custando caríssimo aos cofres públicos, uma vez que o Tesouro está sendo obrigado a pagar taxas cada vez mais elevadas para se financiar no mercado. Técnicos do BC admitem que o quadro atual é dramático, mas acreditam que o mercado saberá reconhecer a transparência que a instituição deu aos rumos da política monetária ao jogar no lixo a promessa de se levar a inflação ao centro da meta até o fim de 2016. No entender de Eduardo Velho, é verdade que o BC ficou mais realista. Mas a autoridade monetária deve se preparar para novas revisões das estimativas de inflação, deixando o ambiente para os negócios mais hostil. “A minha avaliação é de que, na ata da reunião de ontem, que será divulgada na próxima semana, o BC apontará a deterioração das expectativas inflacionárias tanto no cenário de referência, quanto no de mercado”, diz o economista da INVX. Isso quer dizer que BC e analistas privados vão assumir que os reajustes de preços vão se acentuar. O resultado, acredita ele, será novos aumentos nas taxas de juros dos contratos futuros, que servem de parâmetro para a formação dos encargos cobrados pelos bancos em empréstimos e financiamentos. A consequência será crédito ainda mais caro e escasso, já que as instituições financeiras temem levar calote diante do agravamento da recessão, que fará o desemprego e os índices de falência dispararem. E mais: as duas agências de classificação de risco que ainda não tiraram o selo de bom pagador do país — a Moody’s e a Fitch — vão fazê-lo até a primeira metade do próximo ano. Resumindo: é bom nos prepararmos para dias ainda piores.
Brasília, 09h05min