Muito bem, a presidente Dilma Rousseff disse o que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, queria ouvir — que ele fica no governo —, mas entre o que a petista fala e a realidade há uma distância enorme. A presidente já não é mais dona de seu governo há muito tempo. Por questão de sobrevivência, rateou o mandato que recebeu das urnas entre os partidos que lhe dão sustentação, sobretudo o PT e o PMDB. E nenhum deles se sente confortável com Levy à frente da equipe econômica.
Aos aliados mais próximos, Dilma vem dizendo que Levy tem a sua confiança e que ele é imprescindível para tocar o ajuste fiscal que pode resgatar a confiança no país. O problema é que a presidente estimula, com sua ambiguidade, todo o bombardeio contra o ministro, especialmente dentro do governo. Há uma corrente com forte trânsito no Palácio do Planalto disposta a defenestrar Levy. E, para isso, vem alimentando a onda de rumores de que ele está deixando o cargo.
Não se pode esquecer que o próprio ministro, na ânsia de se proteger e de amplificar a sua importância, ajuda a alimentar as incertezas. Desde que o ex-presidente Lula decidiu partir para cima, Levy fez questão de espalhar, a interlocutores considerados estratégicos, que não estava satisfeito e, caso Dilma não o defendesse explicitamente, pediria para sair. Há, dentro da Fazenda, quem assegure que partiu do ministro a informação, na sexta-feira, de que ele teria escrito uma carta de demissão a ser entregue para a presidente.
Toda essa situação tendo Levy como protagonista mostra que o governo não tem projeto para tirar o país do atoleiro. O que impera é uma guerra de vaidades. Não por acaso, a cada semana, as previsões para a economia só pioram. Os investidores veem um país sem rumo. Esperava-se que, depois do desgaste provocado pelo envio ao Congresso do Orçamento de 2016 com previsão de deficit de R$ 30,5 bilhões e da perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s (S&P), o governo acordasse para a gravidade do quadro.
Mas nada, absolutamente nada, foi feito de concreto para reverter a forte deterioração da economia. Dilma e seus ministros continuam mantendo um discurso irreal, agem como se o país estivesse enfrentando apenas “uma marolinha”. Esse quadro cor-de-rosa foi pintado ontem pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, no território mais hostil a Levy, o Instituto Lula. Para ele, o governo está trabalhando no sentido de promover a retomada do crescimento.
Ninguém espera que Barbosa jogue a toalha. Contudo, esse tipo de discurso acaba se tonando motivo de piada, especialmente por ter uma direção certa, Lula e os petistas que o aplaudiram ontem. O crescimento da economia só virá quando os agentes econômicos tiverem confiança de que o governo realmente acordou para os problemas e fará o que for necessário para arrumar as contas públicas. Por enquanto, tudo são promessas.
Descompromisso
Não é só. Além de não haver um empenho concreto para fazer um ajuste fiscal consistente, há a ameaça latente da volta do populismo. A pressão sobre a presidente é para que ela resgate a política econômica que vigorou no segundo mandato de Lula e no primeiro dela, calcada no consumo, com mais crédito, principalmente dos bancos públicos. Tudo o que Levy é contra. Foi a insistência nesse modelo que trouxe de volta a inflação e o desemprego e destruiu as finanças do país.
Pelos cálculos de Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, se realmente quiser reverter o pessimismo que empurra o país para o buraco, o governo deve entregar um superavit primário de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas isso implicaria fazer o que Dilma mais resiste: cortar de verdade na carne, reduzir gastos como os do Programa Minha casa Minha Vida (MCMV) e praticamente paralisar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Também seria necessário uma redução pesada nos gastos com pessoal e suspender todos os reajustes aos servidores.
Um ajuste de verdade, na opinião de Goldfajn, passa ainda pela reavaliação de todas as despesas, inclusive as dos programas sociais, e pela diminuição do tamanho do Estado. Além disso, o governo teria de contar com uma desvinculação das receitas maior do que os 30% previstos em projeto que tramita no Congresso. “Mesmo que fosse possível fazer esse ajuste de 3,5% do PIB, seria necessário depois estancar o crescimento dos gastos da previdência que aumentam o deficit fiscal em 0,3% do PIB ao ano”, diz
Não há, porém, como acreditar que Dilma, ainda que Levy se fortaleça, seja capaz de tamanho arrocho. Para a presidente, o Brasil vive uma crise conjuntural, passageira. Portanto, não há necessidade de um choque tão profundo para reconstruir a credibilidade. Esse é o mesmo pensamento de Lula, que acredita ter a receita para o sucesso. Enquanto prevalecer essa visão, o Brasil não terá salvação. Os 3% de queda previsto para o PIB deste ano podem se aproximar de 4% e um tombo de 2% em 2016 já entrou no radar. Quem acredita que está tão ruim que não pode piorar deve rever seu conceito. Com o atual governo, tudo é possível, inclusive levar o país a mais uma década perdida. Falta muito pouco para isso.
Brasília, 09h21min