POR PAULO SILVA PINTO
O referendo no Reino Unido é um sinal péssimo para o mundo. Mas terá poucos efeitos no Brasil, que poderá começar a baixar a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano, já em agosto, avisa o economia-chefe do Banco Santander, Maurício Molan. Para isso, a meta de inflação de 2018 precisa ser fixada em patamar abaixo dos 4,5% que vigoram hoje. Reduzir o patamar, ao contrário de intensificar o arrocho monetário, vai reduzi-lo.
Com perspectiva clara de levar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a 6,8% neste ano, 5% no próximo e 4% em 2018, seria possível ao Banco Central (BC) começar a baixar os juros em agosto sem que isso volte a desancorar as expectativas quanto à carestia.
Depois da experiência dos últimos anos, com a volta da inflação a dois dígitos, ninguém quer desordem. Mas também há ansiedade geral pela retomada do crescimento econômico, algo que não está no mandato do BC, mas tampouco é ignorado pela autoridade monetária.
Molan está entre os observadores mais otimistas do cenário econômico. Ele espera alta dos investimentos já no próximo trimestre. Vê chances de que isso aconteça a despeito da ociosidade na capacidade instalada das empresas. Explica que a realidade é muito diversa, e algumas empresas já sentem necessidade de ampliar a produção. Outras não, mas, como já chegaram ao nível zero de investimentos, não podem reduzi-los ainda mais. Portanto, quem avançar levará o número agregado para cima. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que o economista concedeu ao Correio.
Qual a importância do resultado do referendo no Reino Unido?
É um sinal muito negativo, que mostra um viés populista na política e o início de uma tendência de os países se isolarem, o que pode reverter a globalização, processo que foi muito importante para os ganhos de produtividade em todo o mundo. Além disso, a decisão mostra um preconceito muito grande contra os imigrantes, o que é ruim não só para a economia, mas para o processo civilizatório.
Quais os efeitos econômicos?
Há uma pressão baixista em termos de crescimento, reduzindo a corrente de comércio em todo o mundo e aumentando as incertezas. Por outro lado, os governos tendem a prolongar medidas de expansão monetária. Para sorte ou azar, o Brasil é uma economia fechada, então a redução do comércio terá pouca influência aqui. O aumento das incertezas prejudica o país, mas o efeito foi maior até agora para os países da periferia europeia. O prolongamento da expansão monetária nos beneficia, favorecendo o início do processo de redução da Selic. Os efeitos negativos e positivos tendem a se anular.
Será possível baixar os juros com a resistência da inflação?
De fato, em maio houve um repique em função dos preços de alimentos, mas será temporário. O mercado já se convenceu de que a trajetória da inflação é inequivocamente para baixo. Começar o corte em agosto, setembro ou outubro depende muito de como a nova equipe do Banco Central (BC) pretende agir.
Quando deve começar, na sua avaliação?
A gente acredita que a queda da Selic será em agosto. O BC tem de reforçar a credibilidade e o comprometimento com inflação baixa. Há um dilema entre isso e uma redução rápida da taxa de juros. Mas é algo que pode ser resolvido com a definição de objetivos intermediários, que poderia ser cerca de 6,8% para este ano, 5% para o ano que vem e uma meta de inflação inferior a 4,5% para 2018, por exemplo 4%. A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) será no próximo dia 30. Com essas metas intermediárias, você conseguiria fortalecer a credibilidade do BC como alguém que perseguirá uma inflação baixa de modo que não impeça uma redução de juros, porque essa trajetória ocorrerá em um horizonte de dois a três anos, algo bastante factível. Isso está em linha com o que o presidente do BC disse: uma meta desafiadora e possível.
E quando a economia voltará a crescer?
A economia brasileira está bem perto do fundo do poço. Alguns fatores sugerem que haverá recuperação da atividade, com variação positiva do PIB (Produto Interno Bruto) já no terceiro ou quarto trimestre. As expectativas terão peso grande nisso. Houve uma queda substancial, do início do ano até abril, do risco país e das taxas longas. Os juros para 2022 se reduziram de 16,5% para 12,5%. E a bolsa subiu cerca de 30%. São sinais de percepção muito mais favorável por parte do mercado financeiro, que já está se transmitindo para consumidores e investidores corporativos. Fatalmente, isso resultará em mais investimentos e mais consumo.
O investimento pode se recuperar já no terceiro trimestre, mesmo com a ociosidade da capacidade instalada?
Sim. A queda já foi muito forte. Desde o fim de 2014, quando começou a recessão, a redução acumulada é de 30%. Em grande parte, isso ocorreu pelo adiamento de projetos. Na medida em que são retomados, geram variação positiva no investimento agregado. Isso acontece apesar da capacidade ociosa elevada porque existem assimetrias. Há setores e empresas com muita ociosidade e outros com menos, casos da agricultura, alimentos e semiduráveis. Os subsetores industriais que cresciam na variação trimestral eram 20% no fim do ano passado e passaram para 40% nos últimos três meses até abril. Quando a gente olha a floresta, perde de vista o comportamento das árvores.
Qual é o peso da solução fiscal na recuperação?
O fator de extrema importância é a confiança, que recebeu um choque favorável ao longo do primeiro semestre. Isso está associado a uma percepção de que haverá início de um processo de ajuste fiscal no país. Se isso não acontecer, reverte-se a retomada do crescimento.
Há uma chance considerável de isso acontecer?
As incertezas são muito grandes. Há dificuldade de encaminhar reformas, muita resistência por parte do Congresso. São medidas difíceis e impopulares em um momento em que existe um governo interino. Mas não é preciso fazer tudo; basta iniciar o processo.
O que é o mínimo que o mercado espera?
O mercado avalia que o governo caminha para um resultado primário positivo em 2018 ou 2019. Exige-se que o resultado do ano que vem seja melhor do que o deste ano, que o deficit primário caia de 2,75% do PIB para algo como 1,5%, cerca de 0,5% em 2018 e entre no terreno positivo em 2019.
Quais são os outros avanços esperados?
É importante o governo ter o diagnóstico correto. Já temos. Predominava no início deste ano o diagnóstico de que o fiscal era consequência da crise econômica. Agora, há consciência de que crise decorre do desajuste. Isso empodera o governo, os formuladores de política. Se agirem do lado fiscal, reduzem o impacto da crise. Precisava primeiro de um diagnóstico. Precisávamos também de uma estratégia. Já temos. Consiste em aprovar medidas estruturais primeiro: o teto dos gastos e a reforma da Previdência. Dependendo de como for a aprovação dessas medidas, decide-se o que fazer. É importante que o governo consiga aprovar no Congresso 50% do que gostaria. Haverá um processo de negociação. O que se conseguir, terá de ser compensado com medidas conjunturais, de aumentos de impostos ou cortes orçamentários.
Quando será aprovado o teto?
Alguma coisa vai ser definida ainda neste segundo semestre. Talvez não uma aprovação final, mas um sinal de quanto o governo deve conseguir. Até o fim do ano, terá de recorrer às medidas emergenciais. Acho que será meio a meio: aumento de impostos e redução de gastos.
Se o impeachment não passar, qual vai ser o resultado?
Existem muitas possibilidades. A gente trabalha com um cenário em que, se existe uma equipe econômica com credibilidade, que impulsiona a confiança e, por sua vez, a atividade, essa relação fica estabelecida. Então, a instância política tem incentivos para manter o conjunto de medidas e até o conjunto de nomes. Não sei se isso vai ocorrer ou não. Mas os incentivos vão crescendo com a retomada da economia. Existe uma possibilidade de mudança no Executivo sem mudança nas políticas e até mesmo nos nomes.
Brasília, 13h01min