Multas a planos de saúde neste ano já são maiores que as de 2015 inteiro

Publicado em Economia

POR HAMILTON FERRARI

 

Das duas uma: ou os serviços oferecidos pelas operadoras de saúde pioraram, ou a fiscalização melhorou. O fato é que, de janeiro a junho de 2016, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aplicou  R$ 612,6 milhões em multas — valor superior a todo o ano passado, de R$ 552,3 milhões. Foram 6.344 notificações no primeiro semestre contra 6.430 de janeiro a dezembro de 2015.

 

A ANS atribui esse aumento às novas regras estabelecidas pela Resolução Normativa 388/2015, vigente desde fevereiro de 2016, que trata da qualidade e rapidez no atendimento ao segurado e vincula a penalidade ao tamanho da empresa e ao número de queixas recebidas pelas operadoras. As punições são aplicadas, principalmente, por reclamações relacionadas à autorização para procedimentos, restrições na rede de atendimento e suspensão e rescisão contratual.

 

As queixas são muitas. Que o dia o casal Haroldo e Márcia Amorim — ele trabalha como chef de cozinha e ela, com fotografia. Eles enfrentam sérias dificuldades para encontrar clínicas e hospitais credenciados que atendam o plano de saúde deles. Os dois dizem que todas as vezes que precisam de médicos ou exames são obrigados a percorrer um longo trajeto. “Isso demanda tempo. O número de credenciados tinha que ser maior”, afirma Haroldo.

 

Para o comerciante Antônio Moris, a demora na marcação de consultas, exames ou cirurgias é o que mais incomoda. Ele perdeu a conta de quantas vezes ficou sem paciência devido aos atrasos. “Considero meu plano de saúde muito bom, mas teve uma consulta que, devido à demora no agendamento, paguei do meu bolso. Tive que resolver o problema de uma vez”, afirma.

 

Se depender de usuários como a empresária Juliana Moreira, as reclamações vão aumentar e as multas, também. Ela está insatisfeita com o preço elevado cobrado pelo seu convênio. “Já conversei várias vezes com a empresa, reclamei, mas de nada adiantou. O que eu vou fazer agora é juntar todas as ligações e e-mails e oficializar uma queixa à ANS para ver o valor cai”, diz.

 

Juliana considera que o valor cobrado não condiz com o serviço prestado e com a necessidade que tem no dia a dia. “É difícil pagar um valor altíssimo por um plano que não oferece tudo que é preciso. Deveria ser um atendimento mais amplo, sem as restrições que tem hoje”, frisa.

 

Falta de sensibilidade

 

O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Pedro Ramos, considera as regras baixadas pela ANS positivas, pois dão mais clareza e transparência ao consumidor, mas acha que a agência continua insensível aos reajustes e às aplicações de multas. “Há consultas que a agência reguladora exige que nós cumpramos em apenas sete dias. Em qualquer país do mundo, o prazo é de, no máximo, 30 dias. É inegável que temos dificuldades de marcar com, às vezes, poucos médicos credenciados. A resolução normativa é muito boa, mas não na hora de aplicar punições. O mercado precisa ser aprimorado e criar uma legislação adequada”, diz.

 

O advogado e especialista em planos de saúde Rodrigo Araújo explica que, dificilmente, os consumidores terão como fugir da elevação de preços, devido à política de reajustes do mercado. “No plano coletivo, as operadoras têm liberdade para determinar o percentual de aumento e os preços que cobrará sem a interferência da ANS. Nos convênios individuais, as empresas optam por cobrar mais caro, já que custa mais mantê-lo e a autarquia fixa o limite de reajuste”, destaca.

 

Para Gabrielle Figueiredo, especialista em processo civil do escritório Nelson Willians Advogados Associados, o aumento das multas aplicadas não significará melhora na eficiência dos serviços. “Temos um sistema de saúde pública que não abrange todos as necessidades dos brasileiros. Os planos de saúde são um complemento, mas há a necessidade de medidas que qualifiquem os serviços”, declara.

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Consumidor acaba pagando a conta

 

A eficácia da aplicação de multas às operadoras de saúde é questionada por entidades ligadas às empresas e advogados. Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), as puniçõess impostas pela ANS devem estar revestidas de equilíbrio, porque tudo é repassado e quem acaba pagando a conta é o próprio beneficiário.

 

O advogado e especialista em planos de saúde Rodrigo Araújo é enfático. “É o consumidor que está pagando as multas e os prejuízos. Representantes das operadoras sempre reclamam dos índices de reajuste e multas aplicadas, mas os dados mostram que, ano após ano, as empresas continuam tendo lucro. A única justificativa é que estão repassando a conta ao consumidor”, diz.

 

Nesta semana, a FenaSaúde divulgou que mais de 1,1 mil operadoras de planos de saúde no país faturaram R$ 38,9 bilhões no primeiro trimestre, um crescimento de 10,3% em relação ao mesmo período de 2015, apesar da crise econômica e da fuga de associados. De janeiro a março, as despesas assistenciais, segundo a federação, foi de R$ 30,7 bilhões, com alta de 10,7%.

 

Apesar do resultado positivo, o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Pedro Ramos, critica que os reais problemas do setor não estão sendo discutidos pela ANS nem pelo mercado. Segundo ele, as empresas passam por dificuldades financeiras com pagamento de mais multas e com a perda de usuários. “Nossos últimos balanços mostram que a rentabilidade é quase zero. De cada R$ 100 que a gente ganha, R$ 85 são para pagamento de despesas aos pacientes”, afirma.

 

Ramos questiona também a forma de aplicação de punições pela agência reguladora. “O princípio está absolutamente incorreto. Quanto maior o número de beneficiário, faturamento e tamanho da empresa, maior é o valor cobrado na multa. As companhias de porte mais elevado sempre terão mais reclamações e mais penalidades. Isso traz uma aplicação desproporcional e situações problemáticas para o próprio mercado”, critica.

 

Outro lado

 

Por meio de nota, a ANS explica que utiliza diversas práticas regulatórias na fiscalização do mercado, como intervenção e monitoramento da garantia de atendimento, que são medidas preventivas. Além disso, há a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), que prevê a mediação do conflito entre o beneficiário e a operadora em curto prazo — cinco a 10 dias úteis, conforme o caso — e a Resolução Normativa nº 395, que estipula normas para o atendimento oferecido pelas operadoras, como a disponibilização de canais de contato presencial, além de atendimento 24 horas.

 

A diretora de Fiscalização da ANS, Simone Freire, afirma que os valores das multas impostas às operadoras foram fixadas em 2006 e, desde então, não sofreram correções. “As cifras alcançadas atualmente são resultado do tratamento dos processos formados no passivo, acumulado nos últimos 15 anos. A ANS entende que qualquer revisão nos valores das multas deve passar por ampla discussão com a sociedade”, ressalta.

 

O órgão explica, ainda, que o histórico da tramitação dos processos demonstram que, na maior parte dos casos, as operadoras utilizavam-se das diversas instâncias para recorrer das multas e afastar ou protelar as penalidades. Com isso, os processos levam cinco anos, em média, para serem concluídos. Das multas aplicadas até junho, somente R$ 29,5 milhões foram pagos.

 

Brasília, 20h33min