Monica de Bolle: “Se Brasil fizer esforços, retomada virá em 2018”

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POR ROSANA HESSEL

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Petterson Institute for International Economics, em Washington, vê muitas dificuldades para o novo governo conseguir aprovar medidas espinhosas, como a reforma previdenciária, mas acredita que a equipe de Temer deverá preparar o terreno para isso. “O debate com a sociedade brasileira ainda não está maduro o suficiente. Muitos não compreenderam que a escolha, hoje, é entre não mais receber aposentadorias e benefícios por falta de recursos no futuro, e postergar a aposentadoria ou aceitar reduções em alguns benefícios para não perdê-los de vez”, resume.

A queda de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano ficou abaixo das expectativas do mercado, mas Monica vai na contramão de muitos analistas brasileiros ao duvidar de uma retomada a partir do próximo semestre, devido ao elevado grau de incertezas que restam na arena política. Para a analista, o tombo do PIB deverá ser pior de abril a junho e, no ano, a economia encolherá 4%, acima do recuo de 3,8% de 2015. Monica prevê sinais de recuperação da economia somente a partir de 2018.

Apesar de ter aprovada a nova meta fiscal, que permite um rombo de até R$ 170,5 bilhões para a União, Monica avalia que o governo do presidente interino Michel Temer ainda é frágil e precisará ter mais forças para aprovar medidas de ajuste no Congresso Nacional, caso contrário, a crise fiscal será mais grave. “Falta dinheiro ao governo federal, falta dinheiro aos estados. Não é exagero dizer que o país está quebrado”, alerta.
A seguir, os principais pontos da entrevista concedida ao Correio.

Decadência
A economia brasileira continua assombrada e assoberbada pelas incertezas do quadro político, pelas decisões que serão tomadas nas próximas semanas ou meses. É muito difícil imaginar a possibilidade de recuperação célere do país, como alguns analistas e economistas vêm dizendo, uma vez que sequer sabemos quem será o nosso governante no segundo semestre. O que se pode dizer, entretanto, é o seguinte: o consumo das famílias retrocedeu aos níveis do primeiro trimestre de 2011, início do governo Dilma. O investimento voltou ao patamar do segundo trimestre de 2009, quando fomos atingidos em cheio pela crise financeira internacional.

Continuação do governo
As incertezas políticas podem atrapalhar muito a recuperação da economia, como já estamos a ver há algum tempo. Torço para que a equipe econômica escolhida por Temer fique e que tenha sucesso em levar à frente a agenda que está elaborando para o país. Contudo, a verdade inconveniente é que, hoje, não temos garantia de que esse time ficará, pois não sabemos qual será o destino do governo provisório. Nova revelações da Lava-Jato são o grande imponderável capaz de remover qualquer senso de otimismo, a qualquer momento. Por essas razões, minha previsão é de queda ainda mais acentuada no segundo trimestre, levando a uma contração do PIB de 4% em 2016. A margem de erro dessa previsão, entretanto, é enorme.

Retomada
Previsões em meio aos imponderáveis da Lava-Jato e da política estão muito difíceis. Penso que, se tudo correr razoavelmente bem, não sem alguns trancos e barrancos, a situação melhora em 2018. Antes, acho muito difícil. Pode haver estabilização do PIB, algum parco crescimento até lá, mas nada que reverta a trajetória atual.

Pacote de Temer
Alguns ficaram entre a decepção e o otimismo morno, mas eu achei as propostas na medida certa. Impossível esperar para já anúncios com correções de um deficit praticamente incorrigível em 2016. Provavelmente, a meta deficitária será cumprida com alguma margem em razão da repatriação de recursos do exterior. E, só. Duas medidas se destacaram: o teto para o crescimento dos gastos e a ênfase ao projeto de lei do senador José Serra (agora ministro das Relações Exteriores)  que retira da Petrobras o ônus de ter de arcar com os investimentos do pré-sal, abrindo espaço para a vinda do investimento externo, sobretudo, neste momento em que há alguma reversão nos preços internacionais do petróleo. Essa é a via que pode surtir alguns efeitos positivos na economia em prazo mais curto, ajudando um pouco a atividade.

Diferença
Quanto ao teto para o crescimento dos gastos, penso que poucos viram a relevância na medida. Ela é importante e  diferente da que Nelson Barbosa (ex-ministro da Fazenda) propôs ao permitir declínio imediato na razão gastos/PIB, quando a economia voltar a crescer.

Transparência
A proposta do limite para o gasto pela inflação da equipe de Temer alinha-se com o que tem sido a boa prática internacional desde a crise financeira de 2008. De lá para cá, vários países emergentes —12 — adotaram tais limites. Segundo estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a definição de teto para aumento dos gastos dá mais transparência à política fiscal e permite o melhor monitoramento do governo e da sociedade. Agora, ao problema: a medida necessariamente significa a extinção de mecanismos de indexação que, hoje, tornam o aumento das despesas automático, independente do que ocorre com a economia, ou mesmo do que almeja o governo. Quebrar tais mecanismos de indexação exige aprovação de emenda constitucional pelo Congresso. O mesmo Congresso que demorou mais de 16 horas para aprovar a nova meta fiscal.

Fragilidade
Meu otimismo é menor do que tenho visto entre diversos analistas, economistas e cientistas políticos. Como vimos no caso Jucá (senador pelo PMDB-RR e ministro exonerado do Planejamento devido ao envolvimento na Lava -Jato), há muitos “imponderáveis” no ministério de Michel Temer. Além disso, presenciamos a demora para aprovar a nova meta fiscal: 16 horas de discussões, com a bancada oposicionista tentando criar todo tipo de revés. O que o governo interpretou como vitória me pareceu alguma fragilidade. Ora, se foram necessárias tantas horas para aprovar algo que alivia as tensões imediatas, imagine o que ocorrerá quando o que estiver em jogo é a aprovação de medidas e emendas que aumentam as tensões e não as desanuviam? Tenho certeza de que esse debate sobre o teto para o crescimento dos gastos está muito longe da vitória no Congresso. E não sei ao certo quais são as reais chances de passar pelo escrutínio dos parlamentares ainda movidos pela tese falaciosa do golpe.

Agenda abandonada
O teto para o crescimento dos gastos, que retoma a agenda abandonada em 2005, qualificada por Dilma na época como “rudimentar” e, que, o ministro Nelson Barbosa tentou anos mais tarde emplacar sem sucesso, tem importância maior do que muitos reconheceram. Tenho dito que o estado lamentável da economia brasileira não permite medidas imediatas para cobrir o rombo nas contas públicas. Portanto, parece-me justificado e correto o foco no médio prazo com medidas como essa e outras citadas no documento (do PMDB) Ponte para o Futuro. Urge remover os engessamentos orçamentários brasileiros. Acho que se Temer for capaz de alcançar isso, terá grandes chances de ganhar o que chamo de legitimidade por desempenho. A confiança virá a reboque.

Reforma da Previdência
Tenho menos esperanças de que a reforma da Previdência seja feita por este governo. Mas tenho a certeza de que haverão de trabalhar em ampla reforma. Há gente muito competente para tanto na equipe do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Contudo, uma coisa é elaborar a reforma, outra é discuti-la com a sociedade e aprová-la no Congresso Nacional. O debate com a sociedade brasileira ainda não está maduro o suficiente. Muitos não compreenderam que a escolha, hoje, é entre não mais receber aposentadorias e benefícios por falta de recursos no futuro, e postergar a aposentadoria e/ou aceitar reduções em alguns benefícios para não os perder de vez. Como já vimos mundo afora, reformas como a previdenciária são complicadas, mesmo em meio a uma crise profunda e na presença de governos com horizontes superiores ao que restará ao governo Temer, caso Dilma seja afastada em definitivo. Por isso, creio que haverá decepções em relação à reforma da Previdência.

Crise fiscal
Se o governo Temer não tiver força política no Congresso e não conseguir aprovar as medidas de ajuste, o Brasil caminhará para uma aguda crise fiscal. Falta dinheiro ao governo federal, falta dinheiro aos estados. Não é exagero dizer que o país está quebrado. Hoje, há alguma esperança de que essa situação possa ser revertida a médio prazo, em  uns três anos, com a aprovação das medidas e emendas de ajuste da nova equipe econômica. Contudo, esse cenário muda rapidamente caso se constate que o governo não têm a força política que hoje muitos imaginam.

Visão de fora
Aqui fora, há otimismo cauteloso com o Brasil. Todos esperam a confirmação de que Temer terá mandato definitivo. As medidas foram bem recebidas. Há um entendimento de que os problemas do Brasil são gravíssimos e que não haverá milagres. Agora, mudanças na equipe econômica em tão pouco tempo são ruins para a credibilidade.

Brasília, 18h10min

Vicente Nunes