ROSANA HESSEL
O governo Jair Bolsonaro publicou, nesta quarta-feira (27/7), um decreto que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor (CDC) sobre o superendividamento e define como Mínimo Existencial de 25% do salário mínimo vigente na data de publicação do decreto. A medida está gerando controvérsias porque, considerando o valor do piso salarial atual, de R$ 1.212, o Mínimo Existencial foi fixado em R$ 303, menos do que o valor pago pelo governo no Auxílio Brasil, que aumentou neste mês de R$ 400 para R$ 600, que serão pagos até dezembro.
“Nenhuma pessoa é capaz de sobreviver com esse valor, que equivale a R$ 10,10 por dia. Esse decreto é um absurdo, porque esvazia a Lei do Superendividamento que foi aprovada para proteger o consumidor”, destacou Walter Moura, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) no Distrito Federal. Segundo ele, a Lei do Superendividamento, aprovada em 2021 pelo Congresso, buscava proteger o consumidor muito endividado que pretende renegociar com os credores como Mínimo Existencial e o valor determinado no decreto vai na contramão de quem tenta buscar qualquer tipo de regularização da situação financeira.
De acordo com Moura, o Idec pretende entrar na Justiça para derrubar o decreto, pois a medida deverá afetar cerca de 40 milhões de brasileiros superendividados. “Estamos estudando uma ação”, afirmou. “A Lei do Superendividamento era para ser uma coisa boa, mas ela não previa o valor do Mínimo Existencial. Agora, com esse decreto, como diria uma fábula paraibana, o consumidor ganhou uma rapadura, mas na cabeça”, disse.
Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), acredita que o decreto não deve mudar as atividades das instituições financeiras, que não concedem crédito para quem tem mais de 25% da renda comprometida com empréstimos e financiamentos. “Claro que isso depende muito da questão da dívida e da renda de cada consumidor, mas, mesmo em questão judicial, o banco tem interesse de receber e não vai fazer um acordo para o pagamento de uma dívida se a pessoa endividada não tiver condições de sobreviver”, alertou.
“A norma protege o cidadão contra o superendividamento e, ao mesmo tempo, contribui para o acesso do público de baixa renda ao sistema formal de crédito, evitando que o cidadão tenha de recorrer à agiotagem e a outras formas abusivas e inseguras de financiamento”, informou o comunicado da Casa Civil divulgado hoje, tratando do Decreto Nº 11.150. Devido à necessidade de adaptação dos agentes econômicos, o decreto terá vigência após 60 dias de sua publicação.
De acordo com o documento, o valor foi definido com base em estimativas do Banco Central do Brasil, que calculou o impacto sobre a oferta de crédito. “O modelo adotado privilegia a disponibilidade de crédito aos consumidores, especialmente neste período de recuperação econômica pós pandemia. Não haverá atualização automática do ‘Mínimo Existencial’ pelo reajuste do salário mínimo, mas, sim, por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN)”, acrescentou a nota.
Foram excluídas da aferição do não comprometimento do Mínimo Existencial de parcelas de financiamento e de refinanciamento imobiliário; de parcelas decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais; de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval; de operações de crédito rural, entre outras, segundo a nota. “O atingimento do mínimo não impedirá o consumidor de contratar operação que melhore as condições de dívidas já existentes”, acrescentou o documento.
Procurada, a Casa Civil ainda não comentou o assunto. Com um dia de atraso, o Ministério da Economia enviou uma nota na qual justificou a regulamentação da Lei do Superendividamento que foi incorporada ao Código de Defesa do Consumidor era uma necessidade da matéria, “com a finalidade de proteger o consumidor financeiro da condição de superendividamento e, ao mesmo tempo, assegurar o direito à cidadania financeira às pessoas de menor renda, com a possibilidade de maior acesso ao mercado formal de crédito e ao processo de bancarização”. “Obtém-se, com isso, padronização necessária para a aplicação desse conceito de maneira uniforme e inequívoca por todo o território nacional, contribuindo para uma maior segurança jurídica nas relações de crédito e mitigando riscos de judicialização, o que, por fim, favorece maior previsibilidade de atuação dos agentes econômicos e o desenvolvimento sustentável do mercado financeiro”, acrescentou.
De acordo com a pasta, o objetivo da medida é que “o mercado evolua no sentido de ofertar produtos mais eficientes sob a ótica econômica, na busca de um melhor equilíbrio entre a proteção ao consumidor superendividado e a segurança jurídica necessária para a contratação de operações de crédito”. Com relação ao valor, o órgão informou que ele foi estabelecido “a partir de estudo e discussões com diversos órgãos e entidades do governo”. “O objetivo é não alijar o consumidor, principalmente aqueles de menor renda, do mercado formal de crédito e da possibilidade de assumir novos compromissos financeiros para consumo, evitando que o cidadão tenha de recorrer a relações de crédito informais inseguras e abusivas”, adicionou. “Quanto maior o valor a ser considerado, maior a restrição dos cidadãos para acessar crédito no sistema financeiro”, emendou.
*a matéria foi atualizada com a resposta do Ministério da Economia