Mercados reagem positivamente à trégua entre Maia e Guedes

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ROSANA HESSEL

A reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciada ontem à noite durante um jantar na casa do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, animou os operadores do mercado nesta terça-feira (06/10). A Bolsa de Valores de São Paulo (B3),  subia quase 1% e girava acima de 97 mil pontos , poucos minutos após a abertura, e, enquanto isso, o dólar e os juros futuros caiam.

Maia e Guedes são os principais defensores do teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Em meio à pandemia provocada pela covid-19, o compromisso de manutenção da regra é o único sinal de comprometimento do governo com a responsabilidade fiscal. A troca de farpas entre os dois nas últimas semanas ajudou a aumentar a desconfiança do mercado. A B3 vinha registrando perdas consecutivas, ficando mais perto de 90 mil pontos do que de 100 mil pontos.

No Orçamento de 2021 o quadro fiscal é bastante preocupante, devido ao aumento dos riscos de explosão do endividamento do país. O governo prevê que a meta de resultado primário será flexível ainda pretende pedir autorização para o Congresso para emitir R$ 453,7 bilhões em créditos extraordinários que extrapolam o limite de endividamento para o cumprimento da regra de ouro, que proíbe o governo emitir títulos públicos para o pagamento de gastos correntes, como salários e aposentadorias.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que acaba de revisar de 9,1% para 5,8% a estimativa de retração do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, fez um alerta, ontem, sobre os riscos fiscais, pois prevê a dívida pública bruta encostando em 100% do PIB no fim de 2020. Esse patamar é insustentável para países emergentes e afugenta os investidores.

O cenário fiscal nada animador não tem espaço para a criação de um novo programa de assistência social, como o Renda Cidadã, que deverá substituir o Bolsa Família, sem que o teto de gastos pare em pé, apesar das promessas de manutenção da regra tanto do governo quanto de Maia, de acordo com especialistas. Eles lembram que, mesmo se houver aumento de imposto ou redução de subsídios, isso não ajudará no cumprimento da regra do teto.

As economistas Tatiana Roque, vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, e Monica de Bolle pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, de Washington, acreditam que, em algum momento, o teto será rompido devido à falta de recursos.

Ambas criticam as propostas de Guedes para a criação de um novo imposto digital, nos moldes da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), uma fixação do ministro sob a desculpa de combater a sonegação em vez de taxar, por exemplo, dividendos para reduzir a desigualdade.

“A CPMF é um tributo que recai sobre os mais pobres e reforça o nosso problema de desigualdade”, criticou Tatiana. “Uma nova CPMF é uma imbecilidade absoluta, porque vai diretamente para as pessoas que serão beneficiadas pelo novo programa de distribuição de renda. É uma ideia de quem não entende o problema e não consegue encontrar uma solução de financiamento”, destacou Monica.

O economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega também reforçou as críticas ao novo tributo, porque ele incide mais sobre o consumo, e, com isso, vai travar a retomada da economia dessa crise em que o mundo está mergulhado. “Não existe um consenso favorável a essa nova CPMF. Só conheço dois economistas que a defendem: Paulo Guedes e Marcos Cintra (ex-secretário especial da Receita Federal)”, disse.

Vale lembrar que Maia também é contra a volta da CPMF e já disse várias vezes que, enquanto estiver na presidência da Câmara, esse assunto não será pautado pela Casa. E esse é um dos motivos de atrito dele com Guedes e, por conta disso, o ministro enviou apenas uma parte da reforma tributária que prometeu no ano passado até agora. Resta conferir até quando a bandeira branca entre os dois estará levantada.

Vicente Nunes