ANTONIO TEMÓTEO
Diante da instabilidade política, os gestores de fundos de ações e multimercados têm adotado uma postura conservadora para se protegerem na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Sem a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência e as incertezas diante do avanço da reforma trabalhista no Senado Federal, o mercado já avalia que as mudanças para a concessão de aposentadorias só serão apreciadas pelo Congresso Nacional em 2019, após a escolha do próximo presidente da República.
Ontem, a bolsa encerrou o pregão com alta de 1,80%, aos 62.188 pontos. A valorização das ações foi influenciada positivamente pelo recuo do dólar, que registrou queda de 1,1%, vendido a R$ 3,302. A elevação do preço do petróleo e a tranquilidade no mercado internacional favoreceram a melhora dos ativos. Apesar disso, os próximos dias serão de tensão. Analistas e gestores estão apreensivos em relação à votação de hoje da reforma trabalhista na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Uma eventual derrota do governo será prova de que o país não conseguirá reequilibrar as contas públicas e, para isso, terá de aumentar impostos.
Os investidores ainda esperam os desdobramentos da denúncia que a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República, Michel Temer. Caberá ao Congresso decidir se o chefe do Executivo será réu nas ações propostas pelo procurador Rodrigo Janot, que acusa Temer de corrupção passiva. Caberá ao ministro do STF Edson Fachin decidir quando enviará a denúncia à Câmara dos Deputados. Para a autorização ser aprovada, são necessários 342 votos. Se a ação penal for aberta, Temer se tornará réu.
No pedido de abertura de inquérito feito ao Supremo, Janot afirmou que Temer deu anuência para a compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e seu operador, Lucio Funaro, ambos presos. Entre outros elementos, Janot se baseou em parte de um diálogo do presidente com o empresário Joesley Batista, no Palácio do Jaburu, para sustentar que houve obstrução de Justiça. Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, o mercado já precificava a denúncia de Janot. Entretanto, os elementos que embasam a acusação podem ou não influenciar o mercado. “Se não ficar provado crime, acredito que os danos serão reduzidos”, pondera.
Outro analista ouvido reservadamente comenta que a tendência é de que a bolsa abra em queda já que outras duas denúncias contra Temer devem ser encaminhadas por Janot ao STF. Com isso, a Câmara seria obrigada a fazer três votações para decidir se o presidente será réu. Com isso, o Congresso pode ficar paralisado. “A possibilidade de que isso ocorra frustraria o andamento de votações importantes. A tendência de paralisia é grande”, diz.
Desdobramentos
O diretor de Renda Variável da Franklin Templeton Investimentos, Frederico Sampaio, explica que, com juros baixos ao redor do mundo e as sinalizações dos bancos centrais das principais economias de que as taxas continuarão nesses patamares, os investidores estão mais tolerantes em relação aos riscos assumidos em países emergentes. “O cenário externo continua favorável e somente uma piora do ambiente internacional afetará o mercado brasileiro”, diz.
Na visão dele, os gestores têm adotado uma postura mais conservadora diante da volatilidade no mercado interno. Sampaio explica que a possibilidade de o país registrar o terceiro ano de recessão aumenta enquanto a crise política não é resolvida. Por outro lado, o diretor da Franklin Templeton avalia que a fraqueza da atividade econômica mantém a porta aberta para que o Banco Central (BC) corte os juros em um ponto percentual. “O BC sinaliza queda de 0,75 ponto, mas a manutenção do ritmo se justifica com a expectativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) ficará próximo de zero em 2017”, ressalta.
Com a escalada dos riscos para a recuperação das contas públicas, Sampaio avalia que o eventual fatiamento da reforma da previdência e a aprovação da idade mínima seriam uma vitória para o país. Ele alerta, entretanto, que tanto o Congresso quanto a população não podem se dar por satisfeitos se somente essa proposta for aprovada. “A reforma precisa ser ampla e tem que ser feita”, afirma.
Brasília, 06h45min