Mercado financeiro piora projeções e país segue na contramão da economia global

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ROSANA HESSEL

O Brasil está na contramão do mundo devido ao aumento das incertezas na política e na economia. As bolsas internacionais batem recordes e a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) continuará descolada dos dados positivos do exterior, segundo especialistas. Após amargar R$ 331,8 bilhões em perdas em outubro, a B3 abre as negociações do mês de novembro no azul, mas analistas reconhecem que isso não deve se sustentar ao longo do dia, e, muito menos, durante a semana, devido à piora nas expectativas.

Nos primeiros 40 minutos de negociações desta segunda-feira (1º/11), o Índice Bovespa, principal indicador da B3, estava em 104.711 pontos, registrando alta de 1,17% nesta véspera de feriado de Finados. Enquanto isso, o dólar volta a subir, refletindo o descrédito de investidores no país, e continua sendo negociado acima de R$ 5,60. Já as bolsas internacionais bateram recordes nesta segunda-feira, iniciando novembro com impulso dos lucros dos balanços das empresas e, principalmente, de bancos europeus, que lideram as altas no Velho Continente.

No Brasil, o clima de pessimismo vem tomando conta do mercado, que continua revisando suas projeções macroeconômicas para baixo. Analistas reconhecem que não há o que comemorar, principalmente, com a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) anunciará o início da mudança da política monetária, o tapering — redução do volume de dólares despejados no mercado, atualmente em U$ 120 bilhões por mês –, o que será ruim para os mercados emergentes, que vinham sendo beneficiados pelo excesso de liquidez no planeta.

“A semana, apesar de curta, é positiva para os mercados internacionais, mas bem negativa, em termos de agenda para o Brasil, com Fed anunciando o tapering, na quarta-feira (3/11)”, destacou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. Ele lembrou que a ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), também deverá mostrar maior preocupação com a inflação, que não para de subir nas projeções do mercado. Na semana passada, o BC elevou a taxa básica da economia de 6,25% para 7,75% ao ano, devido, em grande parte, à piora no cenário fiscal.

“O começo de novembro é positivo no mundo, com dados da indústria muito bons no exterior e sem sustos na eleição parlamentar do Japão. A temporada de balanços está trazendo resultados fortes, indicando recuperação com a abertura. Mas, o Índice Bovespa inicia novembro em alta puxado pelo mercado internacional mais positivo e por ter um volume menor antes do feriado, a B3 deveria sustentar uma segunda alta, mas, pelo boletim Focus, e pelos temores da ata do Copom, pode ser que o ânimo piore ao longo do dia”, explicou Cruz.

Piora das expectativas

O boletim Focus, do Banco Central, divulgado hoje, mostra um cenário cada vez mais desanimador para a economia brasileira. “Não tem uma linha do relatório que não teve piora, o que é, obviamente, complicado, porque a expectativa do mercado é que o cenário está mais negativo, mesmo com empresas registrando balanços positivos”, explicou Cruz

Conforme dados do boletim desta semana, as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e do próximo ficaram piores. A mediana das projeções de crescimento do PIB de 2021 teve redução pela terceira semana seguida, passando de 4,97% para 4,94%. Há quatro semanas, essa estimativa era de crescimento de 5,04%. Para o PIB de 2022, o corte no crescimento foi o quarto seguido, passando de 1,40%, na semana passada, para 1,20%, nesta semana.

A mediana das expectativas do boletim Focus para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu de 8,96% para 9,17%. Foi a 30ª semana consecutiva de piora nesse indicador. Para 2022, a mediana para IPCA também teve alta, para 4,55%, bem próximo do teto da meta, de 5%. E a expectativa para a Selic em dezembro, de 8,75% para 9,25%, foi alinhada ao comunicado pelo Copom. para o ano que vem, a previsão para o juro básico passou para 10,25% ao ano. Já a estimativa para o câmbio no fim deste ano passou de R$ 5,45 para R$ 5,50, mesma taxa prevista para o fim de 2022.”Há uma deterioração das expectativas para 2021 e para 2022”, resumiu Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon (MAG).

Perdas de R$ 718,6 bi

Levantamento da Economática mostra que, desde janeiro até outubro, o Índice Bovespa acumula R$ 718,6 bilhões em perdas de valor de mercado. Esse prejuízo, lembram os analistas é resultado, em grande parte, à piora no cenário político e fiscal. O fato de o governo flertar com a irresponsabilidade fiscal ao querer mexer na regra teto de gastos – emenda constitucional que limita o aumento de gastos à inflação — por objetivos claramente populistas e eleitoreiros.

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), viaja para o exterior e confirma o isolamento do Brasil com o resto do mundo de forma gritante. Além de ficar à margem das grandes debates na cúpula do G20 — grupo das 19 maiores economias do planeta mais a União Europeia — foge da mais importante reunião de líderes globais do planeta: a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP 26, que começa hoje em Glasgow, na Escócia.

Vicente Nunes