ROSANA HESSEL
Após passar praticamente o ano inteiro criticando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, parece que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará reconhecer o bom trabalho da autoridade monetária, que conquistou a sua autonomia em 2021 e conseguiu domar o pior de todos os imposto, a inflação, que ganhou força durante a pandemia da covid-19.
Depois de dois anos descumprindo a meta de inflação, o Banco Central, finalmente, encerrou 2023 com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) dentro do intervalo de tolerância da meta, com centro de 3,25% e limite superior de 4,75%. Inflação menor, também ajuda o trabalho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também terá muito a agradecer a Campos Neto por ter suportado as críticas e conduzido com serenidade as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), ignorando as críticas que vinham do Planalto e dos petistas mais radicais. Não à toa, Campos Neto participou do churrasco de fim de ano que Lula ofereceu aos ministros, na Granja do Torto, um reconhecimento pelo trabalho bem-feito, independente do partido.
O IPCA de 2023, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta quinta-feira (11/1), avançou 0,56%, acima das expectativas do mercado, em torno de 0,49%, e, no ano, a inflação oficial acumulou alta de 4,62%, dado 1,17 ponto percentual abaixo dos 5,79% registrados em 2022. As estimativas no início do ano apontavam para um IPCA em torno de 6% no fim de 2023. E é importante lembrar que inflação mais baixa significa o aumento do poder de compra dos consumidores e o consumo é uma das molas do crescimento da economia.
Vale lembrar que a independência do Banco Central conquistada no Congresso ajudou nesse processo. O BC brasileiro se antecipou aos demais bancos centrais globais, tanto no início do ciclo aumento dos juros, em março de 2021, quanto no ciclo de redução da taxa básica da economia (Selic), em agosto de 2023. E não se esmoreceu em manter a Selic em 13,75% ao ano por 12 meses desde agosto de 2022, no meio da campanha eleitoral para a presidência.
Isso, sem dúvida, ajudou a segurar uma alta desenfreada de preços, neste ano, devido ao efeito defasado dos juros elevados. Contudo, houve também a colaboração do clima, que ajudou na supersafra de grãos em 2023 que contribuiu para o aumento da oferta e, consequentemente, arrefeceu os preços dos alimentos — item que mais pesa no bolso das famílias mais pobres –, lembram os especialistas.
“O mérito dessa inflação dentro da meta é mérito do Banco Central, que teve ajuda de São Pedro”, destacou Luis Leal, economista-chefe da G5 Partners. Ele esperava alta de 0,50% no IPCA de dezembro e lembra que, apesar de parecer pequena a queda do indicador, é bom lembrar que os juros passaram mais da metade do ano a 13,75% anuais.
“Entretanto, temos que sobrepujar que a inflação de 2022 estava subestimada, reflexo do impacto da desoneração dos combustíveis do segundo semestre do ano, enquanto a deste ano estaria superestimada pela volta da cobrança desses mesmos tributos. Segundo os nossos cálculos, expurgando estes efeitos, a inflação de 2022, deveria ter ficado em 8,70% e a do ano passado próxima de 4%, uma queda que condiz com os efeitos esperados da política monetária implementada”, ressaltou Leal.
“A inflação oficial dentro do intervalo da meta, depois de alguns anos superando o teto, é mérito de toda diretoria colegiada do Banco Central”, afirma o economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho. Contudo, ele faz um alerta para a aceleração dos preços dos alimentos deste ano, uma vez que o impacto do fenômeno climático El Niño ainda “está subestimado” pelo mercado. “A inflação dos alimentos acima de 1% ao mês de dezembro é muito elevada”, alertou.
Conforme os dados do IBGE, a inflação do grupo Alimentos e Bebidas acelerou de 0,63%, em novembro, para 1,11%, em dezembro, contribuindo com 0,23 ponto percentual na variação do IPCA do mês, ou seja, metade da alta mensal do indicador. Velho ressaltou que outro fator preocupante é a inflação dos serviços, “cujo núcleo atingiu 0,51% no mês e acumula alta de 4,8% no ano”.
Para Leal, o grande destaque da inflação de 2023 foi o grupo Alimentação e bebidas por conta da aceleração nos preços em dezembro. “Para termos uma ideia da importância deste resultado, se substituíssemos esse valor pela média do grupo neste século (ao redor de 7,5%), a inflação em 2023 seria de 5,36%”, destacou.. Por outro lado, ele lembrou que o maior “vilão” da inflação do ano passado foi o grupo transportes, com alta de 7,1%, pressionado pelo aumento de 47,3% das passagens aéreas e de 12,09% da gasolina.
Enquanto isso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias mais pobres, acumulou alta de 3,71% em 2023, abaixo dos 5,93% registrados em 2022. Essa desaceleração é resultado, principalmente, da redução do ritmo de alta dos preços dos alimentos, de 11,91%, em 2022, para 2,81%, no ano passado.
O INPC mede a carestia nas famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos e é o indicador utilizado para a correção do piso salarial, atualmente em R$ 1.421. O dado de 2023 ficou acima das projeções do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, enviado em abril, e do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deste ano.
A estimativa do governo no PLDO para o INPC de 2023 era de 3,30%, e, na Lei Orçamentária Anual, o indicador foi reduzido para 3,01%. Pela nova metodologia de correção do piso salarial, é considerada a variação do INPC mais a do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.
De acordo com Luis Leal, da G5 Partners, não haverá mudanças no salário mínimo atual, porque a correção considerou a variação do INPC até novembro.