LEVY ABRE O SACO DE MALDADES DE DILMA

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» ROSANA HESSEL

Em apenas duas semanas, o economista Joaquim Levy teve pouco tempo para mostrar seu trabalho à frente do Ministério da Fazenda. No entanto, ele vem tentando imprimir sua marca paulatinamente, enquanto evita bater de frente com a presidente Dilma Rousseff, já que seu receituário para colocar o país nos eixos joga por terra a política macroeconômica do primeiro mandato da petista.

Apesar de negar que esteja preparando um “saco de maldades”, Levy reconheceu nesta semana que o aumento dos impostos será inevitável. Nos últimos quinze dias, várias medidas que vão nessa direção ganharam corpo, e outras ainda estão por vir. Somente a recomposição das alíquotas de três tributos levará aos cofres do governo cerca de R$ 30 bilhões, o equivalente a um ano de Bolsa Família.

Nesse conjunto, estão incluídos o fim do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, produtos de linha branca e materiais de construção; a volta da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina; e a possível volta da cobrança pelo teto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito. Para o economista e especialista em contas públicas Felipe Salto, o impacto desses três tributos pode ser ainda maior e chegar a R$ 37 bilhões em 2015.

Antes mesmo de assumir o cargo, o ministro adiantou algumas medidas para aliviar o caixa da União, que fechou 2014 no vermelho. Foi o caso da alteração das regras do acesso aos benefícios trabalhistas e previdenciários, como seguro-desemprego e pensão por morte, divulgada no fim do ano passado. A expectativa do governo é economizar R$ 18 bilhões somente neste ano, apesar de especialistas acreditarem que esse número esteja “superestimado”.

As medidas vêm levantando protestos entre os que apoiaram a reeleição de Dilma, que não cansou de prometer que não faria nada nessa direção caso vencesse o pleito. Encerrada a campanha, a realidade é bem diferente. Para que a economia saia do atoleiro em que o próprio governo a colocou, o primeiro passo será reequilibrar as contas públicas. O tamanho do desafio já foi definido pelo ministro da Fazenda: passar de um rombo de R$ 19,6 bilhões, registrado no ano passado, para um superavit de R$ 66 bilhões em 2015, o correspondente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Recessão

O efeito que tal ajuste produzirá na economia, a curto prazo, é motivo de discussão entre especialistas. “As declarações de Levy apontam para um ajuste fiscal gradual, de maneira a não jogar o país em uma recessão profunda. Mas algum impacto recessivo no primeiro semestre vai ser inevitável”, avaliou o economista José Luis Oreiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O Levy ainda não se deu conta de que ajuste fiscal, sem resolver o problema cambial, é condenar a economia brasileira a uma paz de cemitério, alertou.

A economista Monica Baumgarten de Bolle, diretora da consultoria Galanto/MBB, acredita que haverá muita dificuldade políticas pela frente. “O ajuste não vai ser nem um pouco fácil. Vamos esperar para ver como Levy consegue arrumar tudo isso. O bom é que ele é um cara que consegue tirar água de pedra”, emendou ela, que tem grande admiração pelo ministro. “Na falta de uma medida ou duas, pelo menos, que pudessem gerar boa parte do ajuste de que o governo precisa, ele acaba tendo que juntar pedacinhos para somar o montante necessário”, completou.

Cortes

Entre as medidas adotadas por Levy logo que assumiu, como um sinal de austeridade, destaca-se o corte mensal de R$ 1,9 bilhão nas despesas discricionárias (não obrigatórias) dos ministérios. Nesse sentido, nem mesmo a pasta da Educação escapou, e passou a ter R$ 600 milhões a menos cada mês para esses gastos. Foi o maior corte entre todos os órgãos. Além disso, a sinalização de que o Tesouro Nacional não vai mais socorrer o setor elétrico agradou aos mais críticos.

O problema é que o consumidor é que vai ter que arcar com o uso prolongado das térmicas em função da estiagem nos reservatórios. Pelas contas de Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), o reajuste das tarifas de energia pode chegar a 40% neste ano. A fatura é grande e pode alcançar R$ 23 bilhões.

Na avaliação de Samuel Pessoa, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o caminho de Levy para cumprir a meta fiscal será tortuoso uma vez que ele deverá desfazer tudo o que foi feito durante o primeiro mandato de Dilma, como as desonerações, inclusive a da folha de pagamentos.

“Foi uma medida que não funcionou e criou um custo imenso para a Previdência. Não há dados comprovando que as empresas beneficiadas investiram mais do que outras. Não vejo lógica nem eficácia nessa medida”, disse. Para Pessoa, “o grande desafio será conter o crescimento vegetativo do gasto público, que avança a uma velocidade maior que a do PIB. O governo vai ter que cortar investimentos. Será inevitável”, apostou.

Rotina alterada

Como um bom workhaholic, Levy causou polvorosa entre os seguranças do ministério. “Sabemos que ele fica até bem tarde, vamos ter que trabalhar até tarde também”, disse um deles, demonstrando o desânimo com os serões que estão por vir. Levy interferiu também no habitual trabalho dos jornalistas à frente da portaria do ministério. Ele deu ordem para que os seguranças impeçam o pessoal da imprensa de ficar na área coberta da entrada principal, como ocorria nas gestões anteriores, aguardando a movimentação de autoridades.

Decepção popular

» RODOLFO COSTA

O discurso da presidente Dilma Rousseff durante os debates da corrida presidencial, de que juros seriam mantidos e a energia não sofreria reajuste, foi determinante para que ela somasse votos. Agora reeleita, as ações são opostas. Diante da iminência de um ano de arrocho nas contas públicas, o contribuinte não esconde o descontentamento, ainda sem saber ao certo como lidar com todos os aumentos que estão por vir.

“Sinto-me enganado. Eu e minha esposa já vivemos com o orçamento apertado, e, agora, vamos ter que ficar praticamente em casa para evitar gastos na rua”, reclamou Rodrigo Gonçalves, 31 anos, gerente de uma loja de calçados. A conta de luz, que antes era de cerca de R$ 48 por mês, chegou em janeiro 41,6% mais cara. A perspectiva de um aumento nos impostos também traz preocupações. “Além de consumidor, também lido com o varejo. Já tive um ano ruim em 2014, e, se a situação continuar como está, ou piorar, temo enfrentar novos meses de vendas fracas. Está difícil manter o otimismo”, admitiu.

Descontrole

Para não repetir o descontrole financeiro e atingir a meta de superavit primário — economia para o pagamento dos juros da dívida pública —, o governo já avisou que não abrirá mão de receitas. Nesse cenário, especialistas preveem um ano de aumento do desemprego. E quem está fora do mercado de trabalho pode ter dificuldades pela frente. “Não sei o dia de amanhã. Espero que essas mudanças na economia venham para o bem, embora não acreditasse que o país fosse passar por tantas dificuldades”, afirmou Fernando Alves da Silva, 45, que está desempregado há sete meses. “Espero ter novas oportunidades de emprego logo”, acrescentou.

O anúncio do aumento taxa de média de juros para financiamento imobiliário da Caixa Econômica Federal não foi bem avaliado pela auxiliar administrativa Thaís Martins, 23. A ideia era sair do aluguel de R$ 670, que está para ser reajustado, e comprar o imóvel próprio. “Depois disso, não tenho esperança nenhuma de que a economia voltará a crescer. O governo disse que controlaria a alta dos preços, mas acredito que 2015 será mais um de inflação elevada”, reclamou ela, que, desde novembro passado, vai ao trabalho de ônibus para economizar combustível. “Só uso o carro nos fins de semana, e olhe lá”, disse.

Brasília, 15h15min