VICENTE NUNESANTONIO TEMÓTEO A Procuradoria da Fazenda Nacional conseguiu, na Justiça, bloquear R$ 188,8 milhões do jogador Neymar, estrela do Barcelona e da Seleção Brasileira. Ele é acusado de sonegar impostos durante os anos de 2011 e 2013, conforme autos de infração emitidos pela Receita Federal. A retenção dos recursos havia sido negada na primeira instância, mas o desembargador Carlos Muta, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região acabou acatando os argumentos de que havia riscos de o atleta dilapidar o patrimônio e lesar os cofres públicos.
Segundo a Fazenda Nacional, os R$ 188,8 milhões se referem a uma multa de 150% sobre o valor cobrado pela Receita. A punição foi agravada porque a fiscalização entendeu que houve dolo, fraude e simulação de operações para tentar enganar o Fisco. Como a multa corresponde a mais de 30% do patrimônio declarado pelo jogador, de R$ 244,2 milhões, recorreu-se ao bloqueio de bens do atleta, dos pais deles, Neymar Santos e Nadine, e de três empresas da família, a Neymar Sport e Marketing, a N & N Consultoria Esportiva e Empresarial e a N & N Administração de Bens Participações e Investimentos.
Chamou a atenção da Justiça o fato de Neymar ter em seu nome apenas 8% (R$ 19,7 milhões) do patrimônio identificado pela Receita, mesmo sendo ele o único responsável pela geração de caixa. Os recursos estão aplicados no mercado financeiro e em conta-corrente. Não há nenhum bem material, nem mesmo um imóvel. E mais: as pessoas ligadas ao jogador já haviam sido atuadas antes pelo Fisco, ao qual devem R$ 4,6 milhões.
Denúncias
Os impostos cobrados pela Receita pegam o período em que Neymar ainda jogava pelo Santos e a transferência dele para o Barcelona. Pelas investigações do Fisco, o jogador alegava que 90% do que recebia do clube paulista se referiam a direitos de imagem. Os recursos eram destinados a uma das empresas do pai, recebendo tributação diferenciada. Esse esquema, muito usado no futebol, foi denunciado por vários atletas à Justiça trabalhista. O último deles, Leandro Damião, que foi do Santos e hoje está no Cruzeiro.
No caso do Barcelona, a Receita constatou que houve uma simulação de empréstimo para driblar o Leão. Como Neymar ainda tinha contrato de exclusividade com o Santos, mas já havia uma negociação com o clube espanhol, foi acertado que ele receberia um adiantamento de 10 milhões de euros (hoje, R$ 44,5 milhões) como direito de preferência pelo passe. O empréstimo, sem a cobrança de quaisquer juros e sem a exigência de garantias, foi feito à N & N Consultoria Esportiva, do pai do jogador.
A operação, totalmente fora dos padrões do mercado, despertou a desconfiança tanto do Fisco brasileiro quanto dos fiscais espanhóis, que também investigam o caso e cobram impostos não pagos. Mas não é só. Ao pedir a documentação do empréstimo à N & N, a Receita se deparou com uma guerra judicial. Os advogados de Neymar tentaram, a todo custo, impedir o acesso às informações. Somente depois de perder todas as disputas, é que o jogador entregou os documentos, mas os fiscais identificaram sinais de fraudes. Vários papéis teriam sido forjados.
Pressão
Diante de tantos indícios de irregularidades, a Fazenda Nacional encaminhou ao Ministério Público Federal uma representação fiscal para fins penais. A perspectiva é de que seja ajuizada uma ação contra Neymar e todos os autuados pela Receita. Entre os auditores fiscais, a punição do jogador é dada como certa. Acredita-se que, mesmo que ele use todos os instrumentos jurídicos disponíveis, há provas suficientes de que o Fisco foi lesado.
O caso Neymar, por sinal, foi vital para que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciasse, no fim de agosto, a edição de uma medida provisória que aumentou, de 32% para 100%, as receitas com direitos de imagem sobre as quais incidem o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A expectativa da Receita é de arrecadar R$ 615 milhões em 2016.
Para Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco Nacional), ao autuar celebridades como Neymar, um ídolo nacional, a Receita mostra que ninguém está acima da lei. “Não pode haver distinção entre cidadãos, pois se está lidando com dinheiro público”, afirma. “O trabalhador comum é tributado diretamente no contracheque. Não há a menor margem para sonegação”, acrescenta.
Na Receita, admite-se que houve muita pressão dos advogados de Neymar, entre eles, Marcos Vinícius Neder, que foi subsecretário de Fiscalização do Fisco e hoje é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, para que a investigação aberta contra o atleta fosse mantida sob total sigilo. Vários fiscais se sentiram intimidados.
Os mesmos advogados tentaram fazer com que o desembargador Carlos Muta, que decretou o bloqueio de bens de Neymar, tornasse sigilosa sua decisão. Mas ele se negou. Aceitou apenas manter sob segredo as declarações e os documentos do atleta, de familiares e das empresas encaminhadas à Receita.
Os autuados
Neymar da Silva Santos JúniorNeymar da Silva SantosNadine Gonçalves da Silva SantosNeymar Sport e Marketing S/S LtdaN & N Consultoria Esportiva e Empresarial LtdaN & N Administração de Bens Participações e Investimentos Ltda
Defesa recorre
Representante de Neymar no processo que tramita no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, o advogado Paulo Rogério Sehn, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, afirmou que já recorreu da decisão do desembargador Carlos Muta, que bloqueou R$ 188,8 milhões do jogador, da família dele e das empresas das quais é sócio. A estrela do Barcelona e da Seleção Brasileira é acusada pela Receita Federal de sonegar impostos durante os anos de 2011 e 2013. O defensor do atleta detalhou que aguarda uma manifestação da 3ª Turma da Corte sobre o recurso.
Ele explicou que a Receita pediu a indisposição dos bens de Neymar na Justiça Federal de Santos e, após decisão contrária, recorreu ao TRF. Questionado se o Leão teria cometido excessos no processo, Sehn não quis comentar. “Prefiro não fazer juízo de valor sobre as medidas tomadas pela Fazenda Nacional. Existem várias decisões contrárias (sobre o tema), inclusive da Turma dele (desembargador Carlos Muta). O processo não está em segredo de Justiça e, sim, os documentos que estão nos autos”, comentou. O advogado afirmou ainda que foi autorizado pelo cliente a fazer os comentários.
Na defesa inicial encaminhada à Corte, Sehn argumentou que, conforme indicado pela União na ação cautelar, o patrimônio conhecido de Neymar, da família e de suas empresas totaliza R$ 244,2 milhões, suficiente para pagamento dos débitos estimados, não havendo risco aos cofres públicos. Ele assegurou que, por ser uma pessoa pública, com rendimentos ligados diretamente à sua imagem, Neymar não tem interesse em dar calote, sendo, ainda, facilmente localizável pelas autoridades tributárias.
Na opinião do advogado, não há como acolher as alegações da Receita de que as empresas do jogador teriam como único intuito a redução da tributação em relação aos ganhos auferidos pelo contribuinte principal, pois se tratam de firmas criadas para assessoramento esportivo, com elevada folha de pagamento a colaboradores. Além disso, Sehn explicou que os direitos de imagem são passíveis de serem cedidos a pessoas jurídicas especializadas nesse tipo de atividades, recebendo remuneração resultante de contratos publicitários.
Brasília, 07h10min