Juros reais de títulos públicos já são negociados no mesmo patamar do impeachment de Dilma, diz Necton

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ROSANA HESSEL

A bagunça provocada pelo governo e pelo Congresso com o atropelo na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 1/2022, a PEC Kamikaze ou Eleitoreira, e as perspectivas de mudanças no arcabouço fiscal — que já não tem mais nenhuma regra em pé dada a farra de gastos que vem sendo praticada desde a aprovação da PEC dos Precatórios, no fim de 2021 — estão deixando investidores cada vez mais desconfiados na capacidade do governo brasileiro em equilibrar as contas públicas e já fizeram os juros reais — descontada a inflação — dos títulos públicos voltarem para o patamar do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

“O mercado de capitais segue precificando muitas más notícias que vão desde piora do arcabouço fiscal, passando pela perspectiva de recessão nos Estados Unidos e na Europa, além de possível novas variantes da covid-19, que possam fechar mais uma vez grandes cidades chinesas. Isso sem contar o pleito de outubro que, por si só traz volatilidade aos mercados”, alertou o economista chefe da Necton Investimentos, André Perfeito. “Problemas não faltam e até a queda do petróleo que poderia ser uma boa notícia para a inflação tem se traduzido apenas em piora do mercado de capitais uma vez que os juros não caem por conta da perspectiva pior das contas públicas o ano que vem”, escreveu o analista em comunicado aos clientes nesta sexta-feira (15/7).

Perfeito fez um levantamento dos pagamentos de juros reais negociadas nos títulos públicos indexados à inflação (NTN-B), com vencimento em 12 meses, e constatou que as taxas negociados nos mesmos patamares de 2015, quando o impeachment de Dilma Rousseff dava o tom dos negócios. Com base nos dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os títulos do governo com um ano de prazo pagam 7,62% ao ano, “ligeiramente acima do observado em abril de 2015”, quando ocorreram as votações no Congresso.

“A situação hoje pode ser ainda mais dramática uma vez que no final de 2020 a taxa real era praticamente 2% negativa e desde então vem subido de maneira forte. Uma amplitude assim nas taxas reais não passa desapercebido na economia e atrapalha em muito o planejamento de empresas além de revelar o estado de nervos do mercado”, explicou Perfeito. Para ele, o mercado está chegando a um pico e deve haver uma “certa acomodação das taxas reais nos próximos meses”. “Assumindo que o cenário fique estável me preocupa a dinâmica política no Brasil onde o Palácio do Planalto jogou todas as fichas nos auxílios à população. E se os resultados das pesquisas não melhorarem? Devemos esperar alguma outra medida do governo?”, questionou.

Apesar dessa tendência de alta, Perfeito disse que manteve a projeção de apenas mais uma alta na taxa básica de juros (Selic) na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, em agosto, passando dos atuais 13,25% para 13,50% ao ano. Contudo, ele não descarta a possibilidade de os juros continuarem no patamar de dois dígitos até o fim do ano que vem, quando a Selic deverá encerrar dezembro em 11% anuais. “O Brasil está passando um momento delicado, não há dúvida, mas o prêmio exigido já está mais alto que o razoável na minha opinião”, frisou. Perfeito prevê altas de 1,5% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e de 0,5% no do ano que vem.

Vicente Nunes