O governo que se atente: Juízo é bom e todo mundo gosta

Publicado em Economia

O governo decidiu correr o risco de sacrificar parte da credibilidade da equipe econômica para tentar dar um gás no fraquíssimo nível da atividade. Seguindo o modelo adotado pelos países desenvolvidos logo depois do estouro da crise financeira mundial de 2008, o setor público assumirá o custo do processo de redução das dívidas do setor privado. Isso significará deficits fiscais maiores e aumento do endividamento federal. O governo acredita que, gastando mais agora e permitindo que empresas e famílias quitem parte de suas dívidas, a economia conseguirá, finalmente, sair do atoleiro.

 

Não será fácil explicar isso para os cidadãos leigos, mas o governo percebeu que, se mantiver uma política fiscal mais apertada neste momento, prolongará o sofrimento proporcionado pela recessão, pois, concentrados em reduzir o endividamento, agentes privados não terão como investir nem como consumir. Sendo assim, ao aumentar em R$ 50 bilhões o rombo nas contas públicas de 2018, de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões, e ampliar o buraco de 2019, de zero para R$ 65 bilhões, a equipe econômica crê que conseguirá fazer a roda girar.

 

Na avaliação de Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Investimentos, a ação do governo na área fiscal será potencializada pelo processo de redução da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central. “Será a primeira vez, em muitos anos, que veremos as políticas fiscal e monetária caminhando na mesma direção”, diz. A aposta dele é de que, com a inflação caindo rapidamente, o BC poderá fazer três cortes seguidos de um ponto percentual cada na Selic, sendo que a primeira redução ocorrerá na próxima semana, quando a Selic deverá cair de 12,25% para 11,25% ao ano.

 

Prazo de validade

 

Cardoso reconhece que, para muitos, é difícil entender como um governo que assumiu pregando um ajuste fiscal forte venha contabilizando deficits enormes. Foram mais de R$ 150 bilhões em 2016. Serão ao menos R$ 139 bilhões neste ano e quase R$ 200 bilhões entre 2018 e 2019. “O problema é que, se o governo tentar poupar neste momento, dificultará ainda mais a retomada da economia. É por entender esse diagnóstico que o mercado vê com bons olhos a flexibilização da meta fiscal”, assinala. Para ele, quando as receitas voltarem a crescer com a melhora da economia, o governo poderá fazer o ajuste esperado.

 

O economista pesquisou as políticas fiscais de 150 países para compreender os movimentos do governo. “Percebemos que, quando há cortes de despesas no Orçamento público, as receitas caem”, frisa. É preciso, porém, que os deficits fiscais se limitem a um curto espaço de tempo, ou seja, durem, em média, cinco anos. No Brasil, pelos cálculos do mercado, as contas públicas ficarão no vermelho por oito anos, com o rombo começando em 2014 e sendo zerado somente em 2021 — o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, promete que os superavits voltarão em 2020.

 

O governo, portanto, deve dar demonstrações claras de que não está viciado em deficits públicos. Esse pecado pode ser mortal para a economia. Se perceberem que a gastança está descontrolada, os investidores jogarão no lixo o voto de confiança que vêm dando ao presidente Michel Temer. Durante a administração de Dilma Rousseff, com os cofres escancarados, a dívida pública saltou de 53% para quase 70% do Produto Interno Bruto (PIB). A farra fiscal desencadeou a maior recessão da história.

 

Sendo assim, a principal prova que o governo poderá dar para explicitar que mantém o juízo será a aprovação de uma reforma da Previdência que realmente estanque a sangria dos cofres federais. Se estiver mais preocupado em agradar às corporações, pode ir se preparando para jogar a pá de cal na economia.

 

Brasília, 09h30min