ANTONIO TEMÓTEO
As reformas em debate no Congresso Nacional são essenciais para que o Brasil saia da beira do precipício, mas os desafios para que o país volte a crescer e gerar empregos são enormes. Alterar as regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com a imposição de idade mínima para aposentadoria, além de modernizar as normas trabalhistas são apenas algumas das medidas necessárias para que a economia saia do atoleiro e volte a atrair investidores.
Quando sindicatos, associações de classe e figuras públicas esperneiam contra as mudanças, afirmando que os direitos dos trabalhadores serão extintos e reclamando da falta de emprego, omitem uma parte significativa do problema. Sem as reformas, a recuperação se dará a passos muitos lentos ou pode até não ocorrer. E os investimentos, essenciais para geração de postos de trabalho, continuarão minguando.
Com o agravamento da crise fiscal, o setor público deixou de investir, restando ao setor privado ocupar essa lacuna. Entretanto, o desequilíbrio nas contas públicas se somou a um escândalo de corrupção que comprometeu o governo e afugentou investidores. Com isso, as taxas de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) não param de minguar. “Paradoxalmente, existe um forte viés anti-investimento privado em certos segmentos do setor público, uma manifestação típica do velho populismo latino-americano. As pessoas sabem que precisam, mas não gostam dele”, alerta o economista Raul Velloso.
Outro empecilho à recuperação do país, diz Velloso, é a estagnação da produtividade brasileira, explicada, em parte, pela retração dos investimentos. Segundo ele, se o setor de infraestrutura puxasse o crescimento da economia, o cenário mudaria. Esses e outros temas serão debatidos no XXIX Fórum Nacional, presidido pelo especialista, que começa amanhã. Na opinião dele, o Executivo precisa mostrar à população que as reformas são parte da solução para o país.
Concessões
Além disso, ele defende que o governo Michel Temer, em paralelo ao debate das reformas, tome medidas adicionais para retomada do investimento. Estender o prazo de contratos de concessão antigos, nos quais há oportunidades, interesse dos administradores e recursos, seria uma solução. Além disso, alterar os contratos firmados a partir de 2013 é essencial para que as empresas consigam executar as obras iniciadas. Velloso cita o caso da Via Dutra, no trecho da Serra das Araras, uma das primeiras concessões desde 1995, na qual existe necessidade de investimentos estimados em R$ 3,5 bilhões.
Conforme ele, as obras seriam pagas sem aumento de pedágio, sendo necessário apenas estender o prazo da concessão. “Autoridades governamentais abordadas sobre o assunto parecem dispostas a promover essa extensão de prazo, mas, ao mesmo tempo, sinalizam temer a reação contrária da própria máquina, que é basicamente a mesma da gestão anterior. Ali, ainda prevalece a antiga filosofia dos governos do PT, que era orientada pela visão populista conhecida como ‘modicidade tarifária’”, afirma.
No caso da readequação dos contratos, o economista explica que a recessão, a partir de 2014, inviabilizou os negócios. As receitas estimadas, por exemplo, são, pelo menos, 20% menores em vários casos. Ele destaca que o preço do asfalto, insumo mais importante em rodovias, fixado sob forte interferência do governo, praticamente dobrou após a assinatura dos contratos. “As licenças ambientais, outro item sob total controle das autoridades, não foram entregues nas datas estipuladas. E, finalmente, o financiamento subsidiado, basicamente a cargo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e previsto para cobrir 70% das necessidades, não aconteceu”, cita.
Esforços
Velloso lembra que, por determinação do governo Dilma, havia uma promessa formal dos bancos federais de conceder esses empréstimos, com o objetivo declarado de viabilizar pedágios bem mais baixos do que seria o normal, dentro da política da modicidade tarifária. Ele comenta que esses projetos necessitam de financiamento de longo prazo, mas o mercado de capitais brasileiro não tem tradição em investir nesses empreendimentos.
“Sinceramente, não vejo muita dificuldade. Lá fora, a liquidez mundial é abundante, com prazos adequados, e o Brasil vem, há muitos anos, captando um montante bastante elevado de recursos externos sem maiores problemas. É tudo uma questão de custo. Ou seja, financiamento mais caro implica pedágios mais elevados. Só que é preciso reequilibrar os contratos nessa direção”, afirma Velloso.
Na opinião do especialista, a posição do governo tem sido contrária tanto em estender o prazo de concessões antigas, como a Dutra, quanto em reequilibrar os contratos da safra de 2013. Os quase R$ 20 bilhões que seriam investidos num prazo relativamente curto, destaca o economista, foram para o espaço. “Temo, inclusive, que isso afugente novos investimentos em concessões no Brasil, aumentando o risco desse tipo de empreendimento. Ou seja, tudo isso contribui para o apagão do investimento”, alardeia.
Estudo do Banco do Brasil (BB) mostra que o país vai precisar de R$ 4,05 trilhões nos próximos 15 anos para construir e modernizar rodovias, ferrovias, aeroportos, portos e redes de saneamento. A abertura desses canteiros de obras nos diversos estados teria o potencial de adicionar até 2,6 pontos percentuais ao Produto Interno Bruto (PIB) de 2020, que teria uma expansão de 5,3%.
Urgência
Para que isso ocorra, diz o levantamento do BB, o país teria de elevar os investimentos em infraestrutura, em proporção do PIB, para 4%. Atualmente, apenas 2% da geração de riquezas são destinados para obras. Esse aumento adicionaria, pelo menos, R$ 141 bilhões à estimativa de gastos com infraestrutura para 2020, que chega a R$ 125,5 bilhões se mantido o mesmo nível.
Reformas, como a da Previdência, são importantes, mas não podem ser um objetivo em si, diz Velloso. É importante encontrar uma saída para que o tema seja discutido pela sociedade. “O ‘x’ da questão é a ameaça de apagão do investimento, e tudo de ruim que ele implica, que precisa ser revertido com urgência, sob pena de o desemprego não diminuir e o país não se preparar para oferecer as devidas oportunidades às gerações futuras”, afirma.
Até o momento, ressalta Velloso, a política econômica tem ido na direção correta, mas a recuperação tem sido lenta. Como a atividade desabou, a inflação caiu e a taxa de juros foi atrás, ajudando a recuperação. “Para continuar nadando em direção à costa, o governo-náufrago tem, agora, de aprovar a reforma da Previdência sem que uma fatia relevante da proposta original vá para o espaço. Além disso, temos que mudar esse viés de sermos pobres e contra quem tem dinheiro. Isso é uma esquizofrenia e precisa mudar. O país precisa de investimentos.”
Brasília, 10h30min