Incertezas americanas

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As eleições presidenciais dos Estados Unidos entraram de vez no radar do Banco Central. A instituição já preparou um arsenal, pois não quer ser surpreendida por movimentos atípicos no câmbio, que, certamente, virão se o candidato republicano, Donald Trump, for o vencedor nas urnas. Para passar tranquilidade ao mercado, o BC manteve a rotina dos leilões de contratos de swap reverso, que funcionam como uma espécie de compra de dólares no mercado futuro. O temor é que a moeda norte-americana dê um salto inesperado, criando ruídos sobre os rumos da inflação.

O comportamento da autoridade monetária, porém, não diminui a ansiedade dos especialistas. Diante da imprevisibilidade do resultado das urnas nos EUA, aumentaram os questionamentos em relação ao poder de reação do BC se o pior acontecer. Na tentativa de dirimir as dúvidas com os rumos da maior economia do planeta, o presidente do banco, Ilan Goldfajn, usou boa parte de seus discursos nos últimos dias para reforçar que a instituição detém uma série de instrumentos para agir, sempre ressaltando que o câmbio no Brasil é flutuante.

O maior questionamento dos analistas é se o BC suspenderá as operações de swap reverso. Há, no mercado, um estoque de US$ 25 bilhões nesses contratos. Mantidos os atuais leilões diários, essa cifra pode ser zerada até o fim de fevereiro do próximo ano. Quando Ilan assumiu o comando da autoridade monetária, os swaps passavam de US$ 100 bilhões. A fatura foi construída no governo Dilma Rousseff, provocando séries distorções no câmbio e grandes prejuízos ao Tesouro Nacional.

Torcida por Hillary

Tudo o que o BC quer — e o governo inteiro de Michel Temer — é que tudo continue como está. Ou seja, que a democrata Hillary Clinton vença as eleições da próxima terça-feira. Nesse contexto, não haveria mudanças no Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. Sob o comando de Janet Yellen, cujo mandato vencerá em 2018, o Fed terá de elevar as taxas de juros, que variam, atualmente, entre 0% e 0,25% ao ano. Com ela, tudo será feito de forma muito gradual, sem provocar turbulências desnecessárias, sobretudo nos países emergentes.

É muito possível que, com Hillary, o mandato de Yellen seja renovado. A presidente do Fed tem boas relações com a família Clinton. Ela foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca no mandato de Bill Clinton, entre 1997 e 1999. Há quem critique a postura mais flexível da primeira mulher a comandar o BC mais poderoso do mundo. Mas suas decisões têm evitado um turbilhão de incertezas que só contribuiriam para tornar ainda mais hostil o cenário da economia internacional.

Com Trump no poder, acredita o economista-chefe da gestora de recursos Quantitas, Ivo Chermont, a atual política monetária do Fed poderia ter uma mudança brusca. Há duas vagas abertas no comando da instituição, que seriam preenchidas por pessoas indicadas pelo republicano no caso de eleição dele. Por isso, diz Chermont, o BC brasileiro não pode subestimar os riscos de Trump vencer a disputa com Hillary e as suas consequências para o Brasil.

Prejuízos

Há quem aposte que, com Trump no comando dos EUA, o dólar poderá chegar a R$ 3,50. Mantido esse nível de preço por um período mais longo, o BC teria mais dificuldade para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2017. Com isso, a redução da taxa básica de juros (Selic) seria mais lenta ou mesmo poderia ser interrompida até que o time comandado por Ilan tivesse clareza sobre o real impacto do câmbio no custo de vida. “No fim deste mês, por exemplo, os juros vão cair apenas 0,25 ponto percentual, para 13,75%”, ressalta o economista da Quantitas.

Para se ter uma ideia de como andam os nervos dos investidores ante a imprevisibilidade das eleições norte-americanas, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) acumulou queda de 4,2% nesta semana. Em Nova York, o índice S&P 500 registrou ontem a nona queda consecutiva, o mais longo período de baixa desde 1980. No câmbio, o dólar, que anda muito volátil, computou alta de 1,1% nos últimos cinco dias.

Brasília, 06h50min

Vicente Nunes