Ainda que com uma certa cautela, o mercado financeiro passou a embutir nas suas projeções a perspectiva de a presidente Dilma Rousseff deixar o governo por meio de um processo de impeachment. O tema ganhou força nas discussões de bancos e corretoras desde o início da semana, diante do surpreendente panelaço de domingo, em protesto contra o pronunciamento da petista em rede de tevê, e da proporção que podem ganhar as manifestações marcadas para este fim de semana.
Por enquanto, a saída de Dilma é considerada remota, pois, mesmo esfacelado, o governo ainda tem condições de reconstruir o apoio político que perdeu nos últimos dois meses, sobretudo depois da desastrada campanha para derrotar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados e da divulgação da lista de parlamentares envolvidos na Operação Lava-Jato.
Entre os analistas, a visão é de que, aconselhada por Lula, a presidente abrirá todas as portas de sua administração para o PMDB e as legendas que garantirem maioria no Congresso. Distribuirá cargos e mais cargos nos segundo e terceiro escalões em troca de suporte de deputados e senadores. Isso, porém, não será garantia de tranquilidade. A depender do tamanho da gritaria nas ruas, políticos infiéis — que são muitos — poderão se engajar, sem constrangimento, no processo de afastamento da chefe do Executivo.
Na avaliação do cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), os investidores têm razão de sobra para estar apreensivos, pois são crescentes os riscos de as novas fases das investigações sobre a corrupção na Petrobras desaguarem com tudo no Palácio do Planalto. “Por enquanto, não há nada que justifique o processo de impeachment. Mas, se provas apareceram contra o governo, será difícil segurar o movimento para a retirada da presidente do poder”, diz.
Fleischer ressalta que, do ponto de vista popular, a situação da chefe do governo é muito frágil. Ele acredita que as próximas pesquisas tenderão a mostrar mais uma queda forte no índice de aprovação de Dilma. As apostas são de que fique entre 15% e 20%, dando força ao desejo da oposição de interromper, mesmo que de forma traumática, a era PT iniciada em 2003 com a eleição de Lula.
Ex-diretor do Banco Central, Carlos Eduardo de Freitas afirma que, por precaução, muitos investidores estão retirando recursos do Brasil temendo as repercussões sobre uma possível deposição de Dilma. Para ele, mesmo que não se chegue a esse ponto extremo, que terá custos pesados para a economia, o desânimo em relação ao país é brutal. Não sem razão.
A grande maioria dos investidores subestimou a situação macroeconômica brasileira. Sabia-se que o país estava mergulhado em um quadro preocupante, com rombos nas contas públicas e externas, inflação alta e baixo crescimento. Mas, quando a eleição acabou, foi-se desnudando um cenário de descontrole criado pela própria presidente nos quatro primeiros anos de mandato.
A visão predominante hoje no mercado, assinala Freitas, é a de que o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é apenas o ponto inicial de um processo para o resgate da confiança no Brasil. “Não serão os R$ 66 bilhões de superavit primário (1,2% do Produto Interno Bruto) que farão o país sair do inferno direto para o paraíso”, frisa.
A desestruturação da economia foi tão profunda, com intervencionismo e excesso de subsídios, que levará anos para que o Brasil recupere a capacidade de crescimento sustentado. São esses equívocos na política econômica que, segundo os investidores, dão força aos movimentos populares a favor do impeachment.
Os mais ricos e a classe média já haviam demonstrado descontentamento com Dilma durante as eleições. Agora, com a inflação nas alturas, os tarifaços e o aumento do desemprego, será a vez dos tradicionais eleitores do PT levantarem a voz contra o governo. Esse é o maior medo do Planalto.
Estresse na Fazenda
» Causou muita apreensão e estresse no Ministério da Fazenda a votação, no Congresso, sobre o veto da presidente Dilma para a renovação de subsídios às empresas eletrointensivas do Norte e do Nordeste. Está se falando de uma fatura de R$ 5 bilhões ao ano. Um baque para o ajuste fiscal.
Realidade ou ficção?
» Economistas que estiveram com o diretor de Política Econômica do Banco Central, Luiz Awazu Pereira, nos dias 19 e 20 de fevereiro, estão ansiosos pelo primeiro relatório trimestral de inflação que ele divulgará no fim deste mês. Querem saber se realmente o documento espelhará a dura realidade vivida pelo país ou será apenas mais uma obra de ficção do governo.
Inflação em alta e PIB em queda
» Se realmente levar em conta o que ouviu dos especialistas para construir o relatório de inflação, Awazu terá que mostrar o PIB em queda e a inflação mais próxima de 7,5%. No documento divulgado às vésperas do Natal de 2014, o BC previa crescimento de 0,6% até o terceiro trimestre deste ano e inflação de 6,4%.
Cargo nos Correios
» Chefe da casa Civil do governo Agnelo Queiroz e secretário executivo da Casa Civil na época de José Dirceu, o dentista Swedenberger Barbosa foi nomeado assessor especial do presidente dos Correios, Wagner Pinheiro. O salário está próximo de R$ 20 mil. “Fui contratado para ajudar os Correios a implantarem um novo modelo de governança, a fim de melhorar o desempenho das atividades”, justifica.
Aprovação no chão
» Pesquisa da MeSeems, empresa de web-mobile, mostra que 72% dos entrevistados consideram o governo Dilma ruim e péssimo e apenas 3%, bom e ótimo. E mais: 79% dizem estar cientes das manifestações marcadas para domingo a favor do impeachment.
Brasília, 00h01min