A PEC dos Precatórios prevê pedaladas nas dívidas judiciais e antecipa a mudança do indexador do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação — para o governo ampliar despesas no Orçamento além do que ele diz ser necessário para pagar R$ 400 do Auxílio Brasil para 17 milhões de famílias. Pelos cálculos da IFI, o governo precisaria de R$ 46,9 bilhões para esse valor temporário do novo benefício que substitui o Bolsa Família, de acordo com dados do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) divulgado pela IFI nesta quarta-feira (17/11). Os cálculos, segundo o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, consideraram uma correção de 8,74% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o novo limite do teto.
As estimativas da IFI mostram que, pela nova regra de cálculo do limite do teto de gastos prevista na PEC, haverá uma margem extra de R$ 47,6 bilhões no Orçamento de 2022. O adiamento de parte dos R$ 89,1 bilhões de precatórios, que estavam previstos para serem pagos no ano que vem, garantirá mais R$ 45,4 bilhões para o governo ampliar despesas. Essas duas rubricas resultam nos R$ 93 bilhões que estão previstos com a PEC do calote nos precatórios que vem causando bastante incerteza no mercado, que não para de piorar as projeções de crescimento do país neste ano e no próximo. Algumas das estimativas já indicam recessão.
Além do Auxílio Brasil, pelos cálculos da IFI, o governo ainda precisará de R$ 6 bilhões para custear a prorrogação da desoneração da folha, que deverá ser aprovada pelo Congresso, e de R$ 3,6 bilhões para o auxílio diesel de R$ 400 prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aos caminhoneiros. Outros R$ 2,1 bilhões serão destinados para o aumento do teto de gastos para os demais poderes. Nessa conta, a IFI também incluiu R$ 5,6 bilhões de gastos com saúde e educação e R$ 2,9 bilhões de aumento no fundo eleitoral, R$ 600 milhões para o aumento de emendas impositivas e R$ 600 milhões para o auxílio gás.
Assim, a folga de R$ 24,5 bilhões poderá ser utilizada para a ampliação de outras despesas primárias ou obrigatórias. Esse gasto não está muito bem explicado pelo governo, mas dá indícios de que o pano de fundo dessa PEC é eleitoreiro, pois as despesas estão sendo ampliadas bem acima do necessário para criar o novo Bolsa Família. Logo, essa margem extra para as polêmicas emendas do relator-geral, as RP9, que foram apelidadas de “orçamento secreto”, que somaram cerca de R$ 20 bilhões. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou suspender a execução dessas emendas no Orçamento deste ano devido à falta de transparência.
Resta saber se estarão incluídas nessa folga as despesas com reajuste de servidores prometido pelo presidente Jair Bolsonaro. O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, sugeriu corte de despesas para incluir esse novo gasto. A equipe econômica prevê R$ 91,6 bilhões de ampliação do espaço extra com a PEC, mas deve rever esse dado após a revisão dos parâmetros macroeconômicos divulgados hoje.
Pelos cálculos de Felipe Salto, cada ponto percentual de reajuste na folha de pessoal custa de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões, em termos anualizados, nas contas do governo federal. Logo, um reajuste em torno de 10%, a fim de repor a inflação deste ano, exigiria algo entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões de espaço adicional no Orçamento do ano que vem.
Deterioração fiscal
De acordo com o relatório da IFI, o cenário pessimista ganha força com instabilidade provocada pela perspectiva de mudança na regra do teto e “a deterioração do cenário fiscal elevou de forma expressiva os juros exigidos pelo mercado nas operações com títulos públicos”. A instituição lembrou que a tramitação da PEC na Câmara dos Deputados, ocasionou forte aumento dos juros exigidos nos leilões de títulos públicos e a remuneração de um título com prazo de um ano subiu de 9%, em setembro, para 12%, em outubro. Além disso, houve um deslocamento da curva de juros para cima em todo horizonte. Entre julho e outubro, a taxa de um título com prazo de nove anos saltou de 9,7% para 12,3% ao ano.
“A abertura da curva de juros, movimento que representa um aperto nas condições de financiamento, impacta negativamente as perspectivas para a inflação e o crescimento econômico”, resumiu o texto da IFI, ressaltando que a taxa básica de juros (Selic) também está aumentando para conter o avanço das estimativas de inflação.
Fatores locais relacionados à inflação e à consolidação fiscal parecem pesar na deterioração das expectativas dos agentes, destacou o relatório. O texto ainda sinalizou que as perspectivas não são muito animadoras porque outros fatores também podem agravar o cenário, como “novos aumentos nas tarifas de energia elétrica, em razão de um agravamento da escassez hídrica, e de novos aumentos nos preços dos combustíveis e dos serviços, que começaram a subir com mais força à medida que as restrições ao funcionamento dos setores da economia diminuíram com o avanço da vacinação”.
“Alteração na regra do teto de gastos, com a possibilidade de aumento nas despesas primárias, aumenta incerteza em relação ao quadro fiscal. O risco fiscal pesa fortemente nessa avaliação”, alertou o relatório. “O destino do espaço aberto pela PEC deverá se materializar na forma de uma mensagem modificativa ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), contemplando também eventual revisão dos parâmetros macroeconômicos utilizados pelo governo. Em resumo, aumentou o risco fiscal e os desdobramentos desse novo quadro sobre a economia poderão ser graves”, completou. De acordo com o texto, considerando as atuais projeções do PLOA de 2022, “o espaço fiscal para aumento de outras despesas primárias cai para apenas R$ 1,8 bilhão”.