“Há capital para investimentos”, diz Heinz Ruettimann

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POR PAULO SILVA PINTO

A economia global reúne hoje alguns sinais positivos e outros preocupantes, na avaliação de Heinz Ruettimann, estrategista responsável por mercados emergentes no banco suíço Julius Baer. De um lado, o Brexit — decisão dos britânicos de sair da União Europeia — elevaram as incertezas. Soma-se a isso as chances crescentes e preocupantes de Donald Trump tornar-se o próximo presidente dos Estados Unidos.

Por outro lado, ele nota que a possibilidade de a produção industrial despencar no mundo está descartada. Estímulos do governo chinês ao crescimento começam a mostrar resultados. E há capital disponível para investimentos. O Brasil poderia ganhar com isso se apresentar um arcabouço favorável para investimentos em concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Uma preocupação por aqui é o alto endividamento das famílias, em meio ao elevado nível de desemprego.

As perspectivas para a economia brasileira ainda são ruins, mas Ruettimann nota sinais de alento com a redução do deficit em conta-corrente e a recente valorização do real, que abre espaço para queda nos juros. Veja os principais trechos da entrevista ao Correio.

Quais as perspectivas para a economia brasileira?
Ainda são negativas para 2016. O Produto Interno Bruto (PIB) deve cair 3,5% no ano. Claro que esse mal estar não vai durar para sempre. O resultado certamente melhorará nos próximos anos, na comparação com os 12 meses anteriores. O que melhorou muito no país recentemente foi o balanço de conta-corrente. As importações despencaram, resultando em um saldo favorável da balança comercial. O deficit, que foi de 3,2% do PIB em 2015, deverá cair para 1,1% em 2016. Outro fator positivo é a queda nos índices gerais de preços e, particularmente, nos administrados. A valorização do real frente ao dólar neste ano abre espaço para a queda da taxa Selic no fim do ano.

O endividamento das famílias é preocupante?
Sim. O crédito privado no Brasil em 2015 estava em 74,9% do PIB, bem acima da média de 2010 a 2014, que ficou em 67,6%. É um número alto também levando em conta o cenário macroeconômico do Brasil, as taxas de juros e o risco-país. Quando essa taxa é elevada, os juros são altos e flutuantes e o desemprego é crescente, a tendência é de o consumidor sofrer. A queda nos juros, quando vier, será um grande alívio.

As concessões podem representar melhora na infraestrutura brasileira?
Sem dúvida, o investimento privado poderia ser extremamente positivo, pois o governo não dispõe de recursos suficientes para projetos de infraestrutura de grande escala.

Quais serão as consequências do Brexit para a economia mundial?
O Brexit muda o jogo para muito além das fronteiras do Reino Unido. O resultado do plebiscito traz grandes dúvidas sobre seus impactos: será o fim da presença do país na UE ou o começo do fim da UE? É cedo para dizer. E a incerteza vai durar muito tempo. A reação virá em ondas. Estamos na primeira, que é a de fazer valer os contratos de seguro, sobretudo aqueles ligados ao câmbio. A segunda onda será a do contágio para outras economias. A terceira será de decisões políticas propriamente ditas, sem contar as declarações iniciais de políticos da UE e as intervenções do Banco Central Europeu.

O que os investidores devem fazer?
Em primeiro lugar, ter calma. Não há sinais de mudança radical, que possa gerar ganhos com movimentos de curto prazo. Em segundo lugar, é preciso mirar ativos de qualidade, nas bolsas, por exemplo, que possam se valorizar nesse ambiente. É preciso procurar pechinchas. Há aquelas ações que sempre se quis ter e pareciam caras, mas agora estão baratas. A libra vai continuar a se desvalorizar depois desse choque inicial. A queda dos investimentos de longo prazo no Reino Unido são um grande risco para a cotação da moeda. Em 12 meses, ela deve atingir a paridade com o euro. Talvez antes.

Quais os fatores que mais afetam a economia mundial neste momento?
A queda brusca da atividade industrial no mundo está contida por ora. O substancial programa de investimentos patrocinado pelo governo chinês mostra resultados gradualmente, enquanto a estabilização dos preços de commodities também tem contribuído para a melhora do quadro. O crescimento global está, portanto, ganhando força. Mas há fortes ventos de cauda influenciando o desempenho econômico, incluindo o fim do boom dos mercados emergentes. Há novos riscos também. O Brexit, o crescente risco de Donald Trump se tornar presidente dos Estados Unidos, ou o Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) apresentar argumentos fortes para se manter conservador no segundo semestre. Tudo isso pode acontecer apesar do ambiente razoavelmente positivo no mercado de capitais.

Brasília, 09h10min

Vicente Nunes