Guedes admite uma espécie de “Plano A” para a PEC dos precatórios

Compartilhe

ROSANA HESSEL

Após tanta polêmica em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do adiamento no pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — , a PEC 23/2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que é possível buscar uma alternativa sem mexer na Constituição, por meio de uma saída que está sendo costurada com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, que pode ser uma espécie de “plano A” para a PEC.

“Estamos tentando transitar a PEC e, ao mesmo tempo, negociando com o Supremo uma saída que não seja necessária mexer na Constituição, por meio da modulação. O ministro Fux disse que tem capacidade de resolver”, disse Guedes, nesta quinta-feira (26/08), durante evento da XP Investimentos. Mais cedo, os palestrantes informaram que o ministro Luiz Fux tinha sinalizado a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fazer resolução para essa modulação, “sem precisar passar por uma PEC”.

A PEC dos precatórios não foi bem recebida pelo mercado financeiro, que vem registrando forte oscilação após o governo passar a defender o que especialistas chamam de um calote institucionalizado, adiando o pagamento de despesas obrigatórias, na contramão das regras de responsabilidade fiscal, pois também propõe o fim da regra de ouro, que proíbe o governo de emitir dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias, sem o aval do Congresso. Não à toa, a proposta já vem sendo chamada de “PEC das pedaladas”.

Guedes destacou que vários ministros STF e o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), reconheceram que existe um “vício de origem” dos precatórios no Orçamento e que essa despesa está em conflito com o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesa pela inflação. “Os ministros disseram que eles vão buscar uma solução aqui”, disse Guedes. Segundo ele, além dos ministros, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também estão participando das conversas. “Virá uma solução e, enquanto ela não vier, vamos enviar o Orçamento de 2022 como ele precisa, como a previsão dos precatórios. E, aí, vai sumir o dinheiro todo e todo mundo vai entender a dramaticidade do fato”, afirmou. Para o ministro, assim que esse problema orçamentário for percebido, “em 24 horas essa solução será aprovada”, porque não haverá dinheiro, inclusive, para o reajuste do salário mínimo. Ele voltou a afirmar que toda a despesa dos precatórios foi incluída no Orçamento, ele será “inexequível”.

O chefe da equipe econômica descartou soluções que envolvam retirar os precatórios, ou parte deles, do teto de gastos. Ele ainda minimizou as críticas à PEC e disse que a proposta prevê uma modulação dessa dívida judicial ao propor o parcelamento dos precatórios por 10 anos. No entanto, ele não comentou sobre uma das inconstitucionalidades da proposta, como a mudança no indicador de correção desse débito que já tem um indexador e já foi julgado, que passaria para a taxa básica de juros (Selic), de 5,25%, em vez da inflação, que está bem mais alta.

Durante o evento, ao saber sobre a decisão do STF em manter a autonomia do Banco Central, por 8 votos a 2, Guedes elogiou a decisão. “Eu acredito na nossa democracia. Estamos trabalhando juntos”, disse. Segundo ele, a autonomia deixa o BC mais independente para combater a inflação.

Novo Bolsa Família

Conforme os dados da Economia, a previsão de pagamento de precatórios de R$ 54,7 bilhões para R$ 89,1 bilhões entre 2021 e 2022. Guedes lembrou que as despesas discricionárias para 2022, devem ser de R$ 96 bilhões, e, portanto, com os precatórios pagos integralmente, não haverá espaço para um Bolsa Família mais robusto,  “perto de R$ 300”, como vinha sendo elaborado pelo governo antes do “meteoro” dos precatórios. Segundo ele, o Orçamento estava sendo elaborado prevendo um reajuste “em torno de 50%, no máximo”.

O ministro evitou dar novos valores para do benefício do programa que deverá substituir o Bolsa Família, o Auxílio Brasil, mas reconheceu que a proposta de financiamento dessa nova despesa será via reforma do Imposto de Renda, ou seja, por meio da arrecadação com a taxação de 20% dos dividendos. Logo, ele negou que o governo esteja abandonando a proposta, mas evitou comentar sobre as recentes mudanças que não devem ter o “impacto neutro” que ele espera com a reforma do IR. Outra fonte de receita possível, de acordo com o ministro, seria uma espécie de fundo de erradicação da pobreza, onde parte dos recursos da privatização e dos dividendos das estatais seriam destinados para o benefício.

A princípio, esse fundo estaria previsto na PEC dos precatórios, mas a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso não inclui o novo Bolsa Família no texto, esse mecanismo será destinado apenas para a liquidação das dívidas judiciais.

Guedes ainda disse que a proposta do novo Bolsa Família não é eleitoreira para que o novo benefício fique bem turbinado se o problema dos precatórios for resolvido. “Eu quero deixar a iniciativa nossa não tem nada de populismo. Se vier mais recurso, não significa que o reajuste do Bolsa Família ficaria acima de 50%. Não passa de R$ 300. Esse era o Bolsa Família combinado dentro do Orçamento”,  disse.

“Otimismo x negacionismo”

O ministro da Economia voltou a criticar aqueles que apontam problemas no processo de retomada da economia e chamou de “negacionistas” quem não vê a economia se recuperando em V e decolando. Em novo tom otimista, ele reforçou que a arrecadação vem batendo recordes e surpreendendo neste ano e repetiu as declarações de ontem na apresentação dos dados da Receita Federal de que o volume total arrecadado no ano “supera em R$ 270 bilhões a previsão do governo”. Conforme os dados do Fisco, o governo recolheu R$ 1,053 trilhão de tributos entre janeiro e julho, volume 26,11%, em termos reais (descontada a inflação), superior ao contabilizado no mesmo período de 2020.

“A economia brasileira é resiliente. A arrecadação vem batendo recordes históricos, descontando a inflação, todos os meses, menos em janeiro de 2020, porque a economia já estava decolando antes da pandemia. A maior arrecadação da nossa história ainda foi em janeiro de 2020”, afirmou. Guedes ainda voltou a fazer comparação das previsões iniciais do mercado durante a pandemia, mas disse que os economistas que estão fora do governo têm cometido “erros de previsão” , porque estão com perspectivas negativas.

“Eu sempre fui considerado um economista com visão realista. Na verdade, eu sou cuidadoso. Fico observando e indico os movimentos que eu percebo. Eu acredito na resiliência da economia brasileira. Eu achava que a íamos voltar em V da pandemia e ela voltou. Onze milhões de empregos foram preservados (em 2020). O consumo está ”, adicionou. Guedes evitou falar da inflação, que vem pressionando os preços preços , mas comemorou a aprovação pela maioria

Vicente Nunes