Entusiasmado com a decisão do Banco Central de acelerar o passo e cortar a taxa básica de juros (Selic) em 0,75 ponto percentual, para 13% ao ano, o governo está apostando alto que o Comitê de Política Monetária (Copom) repetirá o que se viu no início de 2009. Em apenas três reuniões daquele ano — janeiro, março e abril —, o BC reduziu os juros em 3,5 pontos percentuais. Coincidentemente, a taxa Selic começou 2009 em 13,75%, como agora.
Naquela época, porém, o objetivo do Copom era vacinar a economia brasileira, que estava num momento muito bom, contra os efeitos da crise mundial, detonada pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos. Era muito mais uma ação preventiva. O movimento, que levou os juros para um dígito em junho — 9,25% —, foi tão exitoso que, já no fim de 2009, a atividade havia retomado o fôlego. Lula ainda estava no comando do país e Henrique Meirelles era o presidente do BC
Hoje, a história é outra. Os problemas são internos. É a economia brasileira que está gravemente doente, enquanto o mundo cresce sem grandes transtornos. Em vez de uma ação preventiva, os juros em baixa funcionarão como antibióticos pesadíssimos para tentar tirar a atividade do coma. Resta saber se a atual diretoria do BC, liderada por Ilan Goldfajn, terá a mesma ousadia de 2009. Instrumentos para agir a instituição tem de sobra. E a inflação está desabando diante da recessão.
Para auxiliares de Michel Temer, é possível o BC repetir o que se viu oito anos atrás. Ilan e companhia, no entender do Palácio do Planalto, têm reputação de sobra para conduzir um movimento agressivo de corte de juros e levar a Selic para abaixo de 10% ainda no primeiro semestre. Os assessores presidenciais acreditam que, se necessário, o Copom pode parar de cortar a taxa básica ou mesmo elevá-la, caso a inflação volte a se assanhar.
Quando sentiu que o estímulo monetário já estava passando da conta, em abril de 2010, o BC, em plena campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, decidiu aumentar a Selic. O processo de elevação se estendeu até julho de 2011, quando, já no poder e descompromissada em relação ao controle da inflação, a petista optou por baixar o custo do dinheiro na marra. A partir dali, começaram todos os problemas que nos levaram à gravíssima situação atual, de três anos de economia em retração, mais de 12 milhões de desempregados e um longo período inflacionário.
Serviço sujo
Ex-diretor da Área Externa do BC, Tony Volpon vê espaço de sobra para os juros caírem muito. Para ele, todo o trabalho sujo de combate à inflação foi feito pela diretoria anterior da autoridade monetária, que teve de aumentar a Selic mesmo com a economia mergulhada na recessão. “Ou se dava aquele arrocho, ou a inflação sairia totalmente do controle”, afirma. Ele lembra que, em 2015, o BC teve que lidar com um choque de preços relativos, uma forte recuperação das tarifas públicas, sobretudo as de energia elétrica, que foram reduzidas a canetada, e pesado aumento do dólar.
“Quando entregamos o BC para a atual diretoria, a inflação já vinha caindo. Portanto, o que o time de Ilan tem que fazer agora é controlar o movimento de queda dos juros e monitorar os riscos inflacionários, que, neste momento, são mínimos. A tarefa é bem mais simples”, assinala Volpon. Na avaliação dele, o Copom já deveria ter acelerado a redução dos juros na última reunião do ano passado, no fim de novembro. “Um corte de 0,5 ponto lá atrás teria dado uma boa ajuda à economia. Mas não adianta ficar falando do passado. O importante é que há muito espaço para a Selic baixar”, completa.
Volpon assume que, assim como o BC de Ilan foi comedido no processo de corte dos juros, a diretoria da qual ele fez parte, comandada por Alexandre Tombini, pecou ao não aumentar um pouco mais a Selic, que acabou estacionada em 13,75%. Ele votou, em várias reuniões, para mais aumentos da taxa básica como forma de colocar a inflação nos eixos mais rapidamente, mas sempre foi derrotado nas votações. “Foram muitas as críticas e perseguições políticas, mas o serviço sujo foi feito, criando as bases para uma política monetária mais flexível neste momento”, afirma.
Preocupação
Euforia à parte, a preocupação entre os técnicos da equipe econômica é de que o governo leve adiante o ajuste fiscal. E a reforma da Previdência Social é o ponto principal para manter as portas abertas à redução dos juros e, sobretudo, permitir ao Banco Central que mantenha a Selic em um dígito por um longo período. O custo do dinheiro no Brasil é uma aberração. Não há como se falar em recuperação da economia com juros reais (descontada a inflação) acima de 8%, como prevalecia até ontem.
“O governo não pode se acomodar. Se isso ocorrer, será um pecado que custará muito caro à economia”, alerta um dos técnicos mais próximos de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda. “Excesso de confiança costuma ser fatal. A redução dos juros é apenas uma peça dentro de uma engrenagem enorme para botar o Brasil novamente nos trilhos. Um ajuste fiscal sério é vital para o sucesso do BC”, emenda. Os exemplos do excesso de confiança estão aí. Vivemos a maior recessão da história. Portanto, juízo é bom e todo mundo gosta.
Brasília, 06h05min