ROSANA HESSEL
O governo publicou o decreto de liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. (Ceitec), nesta terça-feira (16/12), no Diário Oficial da União (DOU).
A medida faz parte do novo cronograma de privatizações, com a companhia sediada no Rio Grande do Sul sendo a única empresa a ser desestatizada neste ano, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter prometido vender todas as empresas sob o controle da União e arrecadar R$ 1 trilhão logo no início do governo. Associação de funcionários pretendem recorrer na Justiça.
O decreto, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, autoriza a desestatização da Ceitec “na modalidade de dissolução societária”, informando que, no processo de liquidação, , “serão observados os princípios da eficiência, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável e considerada a relevância da manutenção das atividades industriais de microeletrônica no país”. O documento também autoriza “a publicização das atividades direcionadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no setor de microeletrônica, executadas pela Ceitec”.
De acordo com a norma, caberá ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) adotar os procedimentos para a divulgação das regras para seleção e qualificação de entidade privada sem fins lucrativos como organização social, destinada a absorver as atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e inovação da estatal.
Judicialização
A Associação dos Colaboradores da Ceitec (Acceitec) informou que pretende judicializar a medida e considera a medida “afrontosa”. “O governo desrespeita os Poderes ao decretar a extinção”, afirmou. Do ponto de vista da entidade, não há aval do Tribunal de Contas da União (TCU). Ela também apontou atropelo pelo fato de não ter aguardado o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6241, que questiona a normatização da venda de estatais no país. A ADI 6241 foi ajuizada pelo PDT no fim de 2019 e tem julgamento previsto para o próximo dia 18.
Criada em 2009, o Ceitec emprega 180 pessoas, dos quais 170 são concursados, conforme dados da Acceitec. Atualmente, a estatal desenvolve e fabrica três tipos de produtos: chips, etiquetas eletrônicas e sensores, são cerca de 50 produtos distintos para as áreas de logística, veicular, segurança, saúde e agronegócio que atendem inúmeras políticas públicas do governo federal e tornam o Brasil menos dependente de tecnologias importadas, assegurando sua soberania nacional. Com a liquidação da empresa, todos os produtos e serviços desenvolvidos por ela terão que ser comprados de outros países.
Procurado, o Ministério da Economia, que coordena o programa de privatização, informou que a decisão “foi amparada em estudos que comprovam que a liquidação é a melhor solução para a estatal”.
Custos
Na avaliação da Acceitec, a extinção do Ceitec “será onerosa para os cofres públicos”. “Apenas para o descomissionamento da fábrica estima-se um gasto de cerca de R$ 300 milhões, assim, entende-se como uma alternativa mais vantajosa realizar uma parceria público privada em 2024 quando a empresa for lucrativa”, defendeu a entidade. Ela acrescentou que, com a extinção da empresa se perderá décadas de pesquisas e investimentos públicos de, aproximadamente, R$ 1 bilhão.
O faturamento da Ceitec, em 2019, foi de R$ 9 milhões enquanto os repasses da União somaram R$ 68,8 milhões. Neste ano, as vendas da companhia somaram R$ 20 milhões.
Para justificar o fato de a empresa ainda ser deficitária, a Acceitec informou que convênios firmados pela companhia e que não foram respeitados por outras empresas públicas, como a Casa da Moeda, no desenvolvimento de uma solução para o passaporte brasileiro.
Procurada, a assessoria da Casa da Moeda informou que a empresa não adquire chip separado para passaporte, mas sim a capa do passaporte contendo o chip homologado e antena embarcados nesse insumo. “Assim, o chip é adquirido pelo fornecedor das capas de passaporte, conforme as exigências e requisitos técnicos do cliente e regras de mercado”, afirmou a assessoria da Casa da Moeda. Segundo ela, a empresa “foca em soluções de mercado diversificadas, inovadoras, competitivas, com critérios de qualidade e tecnologia de ponta para entregar os melhores produtos”. “Temos total interesse em adquirir produtos desenvolvidos no Brasil desde que acompanhem as exigências técnicas do mercado e tenham interface com os critérios mencionados anteriormente”, afirmou.
De acordo com a Acceitec, a empresa tem mais de 2 milhões de chips encalhados que seriam usados no Sistema Nacional de Identificação de Veículos (SINIAV), que serviria para melhorar a fiscalização e a gestão do trânsito e da frota. “Tido como obrigatório em 2015, a norma nunca foi aprovada pelos governos federais até então”, destacou.