ROSANA HESSEL
A equipe econômica fez um malabarismo contábil para evitar o descumprimento da regra de ouro pelo segundo ano consecutivo, mas não teve sucesso. Vai ter que pedir arrego ao Congresso. O rombo previsto no orçamento deste ano está em R$ 341 bilhões e, mesmo com toda a ginástica nos números que os técnicos estão fazendo, ainda existe um buraco grande a ser coberto, de quase R$ 80 bilhões.
Se o Congresso não der a autorização para o Executivo emitir crédito suplementar desse montante até junho, o presidente Jair Bolsonaro poderá cometer crime de responsabilidade fiscal.
Nesse vai e vem dos números, a equipe econômica conseguiu tirar da cartola R$ 262,2 bilhões para reduzir a margem para o cumprimento da regra de ouro para R$ 78,8 bilhões. Entraram na conta para abater o buraco nada menos do que R$ 162,6 bilhões do lucro do Banco Central obtido com a alta do dólar entre 2018 e 2019, mas que não representam a venda efetiva de dólares e que, a partir deste ano, não poderá mais ser contabilizado, conforme prevê a lei 13.820/2019, que estabeleceu novas regras sobre o destino dos resultados do BC. Com esse novo normativo, os resultados cambiais positivos constituirão reserva contábil no balanço do BC quando este registrar resultado positivo com as operações cambiais não mais serão enviados para o caixa do Tesouro Nacional. No entanto, o resultado operacional do BC, que teve um saldo positivo em torno de R$ 20 bilhões no último semestre, continuará sendo enviado para o Tesouro.
Desse total, R$ 141,2 bilhões foram contabilizados em 2018 e R$ 21,4 bilhões, no ano passado. Essa medida sempre foi criticada por integrantes da equipe econômica no passado, mas está sendo a tábua de salvação do governo este ano e, a partir do ano que vem, não poderá mais ser utilizada. Somado a isso, foram contabilizados R$ 81 bilhões dos quase R$ 130 bilhões devolvidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2019 e que não foram utilizados. Outros R$ 18,6 bilhões de recursos financeiros para reduzir a margem para o cumprimento da norma constitucional são referentes a dividendos e operações de crédito de estados e municípios.
“A nossa melhor estimativa é que encaminharemos solicitação de credito extra de R$ 78,8 bilhões para o Congresso autorizar operações de crédito a mais do que as despesas de capital”, afirmou o secretário adjunto do Tesouro Nacional, Otavio Ladeira, durante a entrevista coletiva de apresentação dos resultados das contas do governo federal. Segundo ele, nessa autorização, ainda será possível utilizar os recursos de anos anteriores que não foram utilizados.
Prevista na Constituição, a regra de ouro proíbe que o Estado emita dívidas para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias. Esses gastos não podem superar as despesas com capital, como os investimentos e o pagamento de juros dívida pública. No ano passado, o Executivo precisou de autorização do Congresso para emitir um crédito extra de quase R$ 250 bilhões para tapar o buraco das contas públicas. Foi preciso muita negociação com parlamentares durante a tramitação da reforma da Previdência para evitar que Jair Bolsonaro cometesse crime de responsabilidade fiscal, abrindo a porteira para um processo de impeachment.
Nesse clima cada vez mais azedo entre Bolsonaro e o Congresso por conta do apoio que ele sinalizou para a manifestação contra os demais poderes, a equipe econômica ficará sem argumentos para pedir justamente um crédito para salvar o presidente de um processo de impeachment por um crime tão grave quanto as pedaladas fiscais que derrubaram Dilma Rousseff. O governo não pode gastar mais do que arrecadada e, muito menos, emitir dívida pública para cobrir o pagamento de despesa corrente, como salários, aposentadorias, de acordo com a Constituição.
A regra de ouro, curiosamente, vem sendo criticada atualmente. Antes, ela não aparecia porque esse problema não era tão evidente. Começou a ser mais explícita quando o desequilíbrio das contas públicas beirou a insustentabilidade. Alguns tentam acabar com ela, mas não adianta atacar o remédio. O melhor é focar na causa: cortar gasto público de um Estado gigante e ineficiente. Mas, pelo andar da carruagem, nem mesmo a reforma administrativa, que poderia ajustar um pouco esse quadro, deve sair.