RODOLFO COSTA
O governo mantém um diálogo estreito com lideranças de caminhoneiros autônomos e, em meio à alta do preço do barril de petróleo no exterior, o momento não poderia ser diferente. O Executivo monitora e conversa com transportadores. No Ministério da Infraestrutura, que mantém uma interlocução direta com líderes da categoria, a interlocução é animadora. O ministro da pasta, Tarcísio de Freitas, foi informado de que não há espaço para uma nova paralisação. A resposta é clara e objetiva: não é uma eventual elevação do óleo diesel — em decorrência da crise entre Estados Unidos e Irã — que vai fazer os autônomos cruzarem os braços.
Não é que a alta do custo dos combustíveis deixe os autônomos felizes. Em 24 de novembro de 2019, o preço médio do óleo diesel na bomba era de R$ 3,70, aponta o último levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). É um valor alto e que chega a até 60% na composição do frete. O encarecimento do combustível é incômodo, mas não vai ser o estopim que fará a categoria entrar em greve.
O Blog monitora, pelo WhatsApp, o grupo Comando Nacional do Transporte, que tem 185 integrantes. Lá, estão inseridas algumas dezenas de líderes que, diuturnamente, debatem a situação da categoria. Entre os membros, estão alguns integrantes do Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Cargas (TRC), que reúne governo, empresários, sindicatos e federações. Nas reuniões do fórum, são discutidas ações para melhorar as condições de trabalho nas estradas.
Na sexta-feira (3/1), data que o preço do barril de petróleo tipo Brent chegou a uma alta de 5% e fechou em 3,5% em meio ao clima de tensão depois que os Estados Unidos assassinou um general iraniano, o debate sobre os impactos disso no aumento do óleo diesel foi feito em três ocasiões ao longo do dia. “A pancada do (Donald) Trump (presidente dos EUA) vai vir, aguardem”, disse um. “E se preparem para outro aumento além desse, o barril de petróleo está subindo rapidamente com as loucuras do Trump no Oriente Médio”, ponderou outro, após comentar uma notícia de dezembro de 2019 sobre o anúncio da Petrobras alta de 2% do preço médio do diesel nas refinarias.
Nesta segunda-feira (6/1), a possibilidade de a escalada da tensão no Oriente Médio contaminar o mercado de combustíveis foi pouco comentado. Um caminhoneiro compartilhou uma matéria que aponta o preço do barril de petróleo chegando a US$ 70 e alguns outros comentaram. “Tá tendo, não iria puxar lavoura este ano, mas, diante dos fatos e instabilidade do petróleo, vou me agarrar em uma fazenda aqui. Se piorar o clima lá, não haverá exportação suficiente para manter fretes”, lamentou.
Vilão
Outro caminhoneiro admitiu que o custo do diesel é um problema para a classe. “É o maior vilão. As outras (categorias) repassam, a (nossa) categoria, não”, ponderou. Apesar de algumas insatisfações, nenhum autônomo fala em fazer greve ou iniciar uma paralisação por insatisfação com o preço do diesel ou por temor que o custo encareça ainda mais nas bombas em decorrência do encarecimento do barril de petróleo no exterior.
A explicação para isso está na confiança de que algumas demandas da classe estão sendo atendidas pelo governo, pondera, ao Blog, o caminhoneiro autônomo Aldacir Cadore, um dos líderes do Comando Nacional do Transporte e membro do TRC. “Nossa categoria responde por cerca de 6% da demanda do óleo diesel consumido no país no setor de transporte rodoviário de cargas. Não somos nós que iremos começar uma greve para os outros 94%”, destacou.
O transportador cita algumas conquistas da categoria em 2019, começando pelo “Ciot para todos”, o Código Identificador da Operação de Transporte, que passou a ser aplicado para toda a cadeia do setor. É uma espécie de nota fiscal emitida pela transportadora ou motorista autônomo que consta todas as informações, com transparência para o frete contratado. Desta forma, isso garante à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) maior poder de fiscalização, e, consequentemente, maior segurança aos autônomos.
Gatilho
Outra medida a ser apresentada é o lançamento de um novo piso mínimo pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-Log), da Universidade de São Paulo (USP). A resolução, que está prevista para sair em 20 de janeiro, trará o “gatilho” para a prevenção de oscilações muito abruptas ao óleo diesel. O dispositivo vai estabelecer que, caso o combustível suba 10%, o piso mínimo, também.
Outras ações propostas pelo governo também beneficiam os caminhoneiros, como o “MEI caminhoneiro”, que vai elevar o faturamento do autônomo enquadrado como microempreendedor individual de R$ 80 mil por ano para R$ 405 mil. Outra medida é o Roda Bem Caminhoneiro, que vai beneficiar 100 cooperativas de transportadores autônomos no país. “Mais à frente, terão outras medidas que totalizarão em cinco frentes que o caminhoneiro vai poder escolher o tipo de forma que quer trabalhar. O caminhoneiro como pessoa física não vai mais existir, vai ter que se adaptar a uma das ações voltadas para ser pessoa jurídica”, explicou Cadore.
Por conta das demandas atendidas e das que ainda estão por sair, construídas por meio de um diálogo constante com o governo, Cadore sustenta que não há espaço para se discutir uma nova greve. “Essa questão de greve não volta mais. Não existe mais força para isso porque, este ano, o governo deu uma melhorada boa. Tem um pessoal que, vez ou outra, vem tumultuar, mas aquelas lideranças toda de bagunça, de ‘videozinho’, já não vai ter mais. O governo vai continuar negociando conosco, as portas estão abertas, e tem projeto ainda para ser criado”, sustentou.
Intervenção
Apesar do voto de confiança da categoria ao governo, Cadore faz boa avaliação de uma possível intervenção do governo no preço de combustíveis. O presidente Jair Bolsonaro garante que não planeja intervir na política de preço da Petrobras, mas a categoria não vê isso com maus olhos. “Para mim, não me interessa quem vai fazer. Eu acho que, nem só para mim, para todo mundo. Baixando o preço, eu não me interesso quem vai interferir, ou se vai. Pagamos uma conta muito cara”, ponderou.