Glória Guimarães: “O Serpro não tem cor política”

Compartilhe

POR SIMONE KAFRUNI

Primeira mulher a ocupar um posto de comando no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Glória Guimarães chegou à estatal como diretora superintendente em maio de 2015. Em março deste ano, depois de 10 meses durante os quais implantou o sistema de crédito consignado, deixou a companhia. Retornou em 20 de maio, no governo do presidente interino, Michel Temer, nomeada presidente da estatal, que é vinculada ao Ministério da Fazenda.

Tecnóloga em Processamento de Dados, com MBA em Gestão Estratégica de Sistemas de Informação pela Fundação Getulio Vargas (FGV), fez carreira no Banco do Brasil, instituição da qual foi diretora. Glória também foi secretária de Logística e Tecnologia da Informação no Ministério do Planejamento, vice-presidente de Operações dos Correios e diretora da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).

Volta ao Serpro motivada a tirar a companhia do prejuízo de R$ 245 milhões acumulado em 2015 e resolver as pendências que ainda têm com fornecedores. “Sabemos que o Brasil passa por um momento complexo. Quero ajudar. Aqui não tem cor política, vou trabalhar de uma forma gerencial e executiva a fim de tornar a empresa referência não só em TI (tecnologia de informação), mas em governança. Esse é o nosso objetivo à frente do Serpro”, afirma.

Um dos maiores problemas enfrentados pela estatal foi o desenvolvimento do e-Social, que custou R$ 6,6 milhões ao governo e teve um grande número de problemas no acesso de usuários. Em uma autocrítica, ela diz que o ideal seria ter treinado do público. A seguir, a entrevista que ela concedeu ao Correio.

A senhora assume o Serpro em um momento delicado, depois de uma exoneração. Como foi recebida?
Eu fui recebida muito bem, não tive nenhum problema. Porque estive por 10 meses no Serpro e só fiquei fora por dois meses. Já tínhamos desenvolvido um trabalho aqui dentro, montamos uma estratégia junto com toda a equipe, fizemos um trabalho bacana, bastante comunicativo. Então, a recepção foi muito boa. Eu não esperava que fosse diferente, o time aqui é muito profissional e encara as mudanças com muito profissionalismo e tranquilidade.

Como equacionar o prejuízo de R$ 245 milhões?
Temos hoje 10 mil funcionários e nossa receita é em torno de R$ 2,4 bilhões. O balanço mostra, sim, um prejuízo de R$ 245 milhões em 2015, que ocorreu em função de um planejamento financeiro baseado no ganho futuro. No ano passado, o governo contingenciou alguns orçamentos. Projetos que achamos que poderiam render frutos foram jogados para frente em função do contingenciamento.

Por que a empresa tem números negativos, se dispõe de um mercado praticamente cativo?
O mercado cativo é o governo. Ou seja, se ele tem uma gripe, nós temos uma pneumonia. Quando você é dependente, se as contas públicas apresentam problemas, obviamente também temos problemas. Mas nós temos um trabalho de eficiência muito forte. Não falo de demitir, mas de aumentar a produtividade, procurar mais clientes para equilibrar essa balança.

Há como gerar receita sem, necessariamente, atender o governo?
A lei de criação do Serpro permite atender outros modelos. Hoje, os dados que temos são de domínio do setor público. Pretendemos indagar ao governo e quais dados não são sigilosos e oferecê-los para a iniciativa privada. A empresa continua do governo. A única coisa que nós vamos fazer é pegar esses dados e trabalhar com eles.

Quais são suas prioridades à frente da empresa?
O nosso foco é no cliente, que é o governo. Consequentemente, no cidadão. A prioridade é oferecer melhores produtos e serviços. Acredito muito que a manutenção dos benefícios dos empregados é importante. A nossa gestão é baseada no diálogo com todos os nossos stakeholders (acionistas). É, basicamente, criar um modelo de governança para melhores práticas e programas de integridade a fim de evitar fraudes e corrupção. Queremos tornar a empresa referência nesses procedimentos.

Quando o Serpro terá números positivos?
Estamos montando planos de governança, alterações de estatuto, mexemos um pouco na estrutura organizacional. Acumulamos a presidência com a superintendência. E separamos uma diretoria para tratar apenas de assuntos ligados a governança e planejamento estratégico. Porém, isso depende da aprovação do Conselho de Administração. Não faço nada sozinha. Se o governo tiver condições de nos ajudar, a recuperação pode ser até no primeiro semestre do ano que vem. Caso contrário, a recuperação será apenas no segundo semestre de 2017. Para as empresas nos comprarem, precisamos estar saudáveis economicamente. Vamos continuar fincando bandeiras naquilo que é melhor e com menor custo.

O governo compra os seus produtos?
Nós temos contratos, por exemplo, com o Ministério do Planejamento. A gente desenvolve e processa a folha de pagamento e ele nos paga por isso. Tecnologia é algo que sempre tem demanda. Então, o governo nos paga por essas demandas de desenvolvimento. Não há dinheiro sem produto. Temos que pensar em produtividade cada vez mais alta, com custos mais baixos.

Qual o futuro da companhia?
Políticas e diretrizes de TI (tecnologia da informação). O futuro está no que a tecnologia nos ajudar com novos produtos. Um ponto forte é a questão do software livre. Costumo dizer que nenhum remédio serve para todas as doenças. O software livre não será a solução para todos os problemas, mas permite maior inclusão tecnológica. Outra questão importante é a presença da mulher. Temos uma mulher na presidência do Serpro e uma diretora. Para ser uma empresa de excelente performance, também tem que estar ligada às questões ambientais. As nossas máquinas são ambientalmente adequadas com o mínimo possível de poluentes.

O e-Social envolveu investimentos de R$ 6,6 milhões, mas foi alvo de críticas por problemas de acesso. O que houve?
No início tivemos muitos problemas, porque o sistema não estava pronto. E na hora de ir para a rua houve um volume muito grande de acesso e deu aquela coisa, o povo apavorado. As pessoas acham o sistema ruim. Na verdade, o sistema não é ruim. É muito simples. Mas houve resistência por parte dos usuários. Tanto que muita gente contratou contador para ler uma coisa simples. Talvez a gente devesse ter feito, como na Receita, um treinamento prévio. Não foram só problemas técnicos. Apesar de tudo, acredito que foi de um ganho fabuloso para a população. Para mim, é um orgulho ter participado do reconhecimento dessa classe trabalhadora, das empregadas domésticas.

Por que os programas desenvolvidos para a Receita e Planejamento dão tantos problemas e são tão caros?
Eu desconheço problemas graves. Nós lidamos com tecnologia e, às vezes, problemas acontecem. Algumas situações são imprevistas. Mas não ouço falar que seja um erro absurdo. Nós tentamos compatibilizar os preços o máximo possível. Mas nosso custo é maior. Não estamos competindo com o mercado. Somos prestadores de serviço para o governo. Nós temos um preço de acordo com o que o governo nos modelou para termos. No setor privado, há programadores que ganham R$ 2 mil. Nós não conseguimos fazer um concurso e oferecer salário de R$ 2 mil para programadores. Os nossos acordos de níveis de serviço são de 99,9%. A gente está disponível 24 horas, sete dias por semana. São altos níveis de serviço. E isso tem um preço.

Houve atraso de pagamento de 72 fornecedores. Isso já foi resolvido?
Houve um atraso de fornecedores, não sei se 72, em função da falta de injeção financeira. Nós fizemos um acordo em algumas parcelas. E priorizamos o pagamento das micro e pequenas empresas. Ainda temos pendências, pois nem todos aceitaram os acordos.

Fala-se em fusão com a Dataprev. Pode ser vantagem?
Esse assunto já andou nas mídias, porém desconheço. Nossa missão é cuidar do Serpro. Eu não daria uma resposta sobre a fusão com a Dataprev. É uma coisa que tem de ser estudada. Uma coisa boa de fazer é a convergência de ações, independente de fusão ou qualquer outra coisa. O negócio é trabalhar junto a fim de ter um Brasil com qualidade de serviços para o cidadão.

Por que é tão caro fazer uma folha de pagamento suplementar quando há alterações?
Não sei se é essa a realidade. Mas, por exemplo: você está processando uma folha com valor x; alguém vai lá e implementa dados; outro vai lá e faz a função de liberação; aí a gente roda; processa essa folha de pagamento mensal. Uma coisa extra, é o mesmo processamento. Então é natural que seja um custo a mais.

Brasília, 10h47min

Vicente Nunes