GATO POR LEBRE

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O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, alardeia que a inflação cairá dois pontos percentuais ainda no primeiro semestre do ano, para algo entre 8,5% e 8,8%. Além de ser um tombo insignificante, já que o custo de vida continuará distante do limite de tolerância previsto em lei, de 6,5%, ele esquece de dizer que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) só se livrará do impacto extra do reajuste das tarifas públicas, sobretudo da energia elétrica. O saldo final continuará muito ruim. Tombini está vendendo gato por lebre.

Um minucioso estudo feito por Ivo Chermont, economista-chefe da Itaim Asset, mostra que, na média, desde 1999, quando entrou em vigor o regime de metas de inflação, o aumento dos preços administrados vem se mantendo entre 8% e 8,5% ao ano. Ou seja, na prática, do tarifaço de 18% promovido por Dilma Rousseff no ano passado, 10 pontos percentuais podem ser considerados, efetivamente, um choque, um evento extraordinário.

Levando-se em conta que os preços administrados representam 25% do IPCA, os 10 pontos extras resultaram em inflação de 2,5%. Como o índice final de 2015 foi de 10,7%, a carestia real, sem o choque de tarifas, foi de 8,2%, resultado que incorpora todo o impacto da ala do dólar e dos alimentos. Isso significa dizer que a inflação “limpa” de eventos extraordinários foi semelhante às taxas que Tombini diz que veremos dentro de alguns meses.

No entender de Chermont, a inflação continua resistente, imune à política de elevação de juros e, pior, mantém a tendência de alta. Para ele, não será surpresa se o IPCA deste ano encostar nos 9%, apesar do aprofundamento da recessão. Uma das razões para esse quadro é a falta de confiança dos agentes econômicos em relação à capacidade do BC de pôr o custo de vida nos eixos, e, sobretudo, ao colapso fiscal que está em curso sob o comando do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.

A cara de 1981

O economista da Itaim Asset ressalta que, se o governo não tivesse represados as tarifas públicas em 2013 e 214, de olho na campanha para a reeleição de Dilma, o IPCA já estaria rodando na casa dos 8% desde então, quase o dobro da meta de 4,5% que o BC é obrigado a perseguir. Ao segurar os reajustes de combustíveis e da conta de luz, principalmente, a presidente da República criou uma falsa ilusão de bem-estar, que lhe ajudou a garantir mais quatro anos de mandato.

A manipulação dos índices de inflação, no entanto, não impediu que os agentes econômicos fossem incorporando em todos os preços a insegurança em relação ao futuro. Instalou-se no país um movimento de remarcação preventiva que continua latente, como mostrou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao divulgar o IPCA-15, a prévia do índice oficial. O indicador cravou alta de 1,42% em fevereiro, superando as previsões mais pessimistas do mercado.

Chermont chama ainda a atenção para o fato de as razões apontadas pelo BC para o recrudescimento da inflação — indexação da economia, alta do dólar e correção dos salários acima da inflação — serem idênticos aos observados em 1981, quando o Brasil registrou um dos períodos mais longos de contração econômica. Quer dizer: o país avançou, avançou, mas, com Dilma no poder, voltou a ter a cara de uma nação afundada no caos.

Ele acredita que não será tarefa trivial sair da armadilha na qual o governo meteu o país. Para isso, seria necessário um choque de credibilidade, algo impossível de acontecer com o atual governo. Todas as medidas que vêm sendo anunciadas, principalmente na área fiscal, só alimentam a desconfiança. Não por acaso, na melhor das hipóteses, os analistas só veem a inflação voltando para a meta em 2019, com o Brasil sob novo comando.

Oposição petista

No que depender do PT, o caos econômico será prolongado. Na sexta-feira, o partido comemorará 36 anos e, durante a festança no Rio de Janeiro, será lançado o que o presidente da legenda, Rui Falcão, chama de “Plano Nacional de Emergência”. Quem teve acesso ao documento, que promete ser um plano econômico paralelo, mostrará um total descompromisso com a questão fiscal. O PT acredita que, para recuperar o crescimento e o emprego, não há nada demais o país conviver com as contas públicas no vermelho por um longo período.

O partido deixará claro, também, que não apoiará a reforma da Previdência Social que a presidente Dilma diz que enviará ao Congresso até abril, com ou sem consenso. Um dirigente do PT diz que a legenda só dará aval às mudanças definidas pelo Fórum de Previdência, que reúne representantes do governo, empresários e trabalhadores.

Como nada sairá desse fórum tão cedo, pelos petistas, Dilma ficará falando sozinha. Mas, para não dizer que está sabotando o governo, o PT defenderá três pontos considerados importantes pela equipe econômica: a desvinculação de recursos da União (DRU), a recriação da CPMF e o aumento dos impostos sobre ganhos de capital.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes