A presidente Dilma Rousseff está convencida de que conseguiu resgatar seu mandato. Com seu pior inimigo e algoz, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, na linha de tiro, ela acredita que se livrou do impeachment e, daqui por diante, conseguirá retomar seu governo. A petista pode até estar certa, ainda que esteja pisando sobre areia movediça. Mas uma coisa é certa: faltará a ela a força necessária para reconstruir o país que destruiu.
Dilma levou o Brasil à beira do precipício. Desde que foi reeleita, em outubro do ano passado, foram fechadas mais de 1,2 milhão de vagas com carteira assinada, número que não se vê para tal período desde 1992, ano em que Fernando Collor de Mello foi defenestrado do poder. O desemprego não está perdoando ninguém. Homens, mulheres, jovens, todos estão sentido na pele o aprofundamento da recessão.
A inflação não dá trégua. Chegou a um ponto em que nem o Banco Central consegue projetar quando a carestia voltará a diminuir. Na melhor das hipóteses, acredita a autoridade monetária, o custo de vida estará rondando os 4,5% em 2017. Isso, se a sorte ajudar e o governo fizer um ajuste fiscal, mesmo que insuficiente, para conter a escalada da dívida pública. O problema é que o governo não tem a menor noção de como estão as contas públicas.
Havia a promessa de a equipe econômica anunciar ontem o tamanho do deficit fiscal de 2015, mas acabou imperando a frustração. A cada rodada de análise dos números, o rombo fica maior. Num primeiro momento, falou-se em um buraco de R$ 50 bilhões. Agora, com a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) de se pagar de uma única vez as pedaladas fiscais do ano passado, de cerca de R$ 40 bilhões, o rombo pode passar de R$ 90 bilhões. Técnicos do Planejamento falam, porém, que será possível abater da conta todos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que deixará o deficit entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões.
Qualquer que seja o rombo, ficará claro que o governo falhou na promessa ajustar as contas neste ano. Quando assumiu o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu uma arrumação rápida, o que permitiria a retomada do crescimento econômico já no segundo semestre. O que se viu, contudo, foi o Produto Interno Bruto (PIB) afundando e Levy tentando sobreviver a um bombardeio que parte, principalmente, de dentro do governo e do partido da presidente, o PT.
Rota do desastre
Na avaliação do economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, a indefinição sobre o buraco nas contas deste ano dá a exata noção de como Dilma desestruturou o país. Pelas contas dele, o rombo fiscal está, hoje, em torno de 1,8% do PIB, que não tem como ser revertido por meio de medidas paliativas. É por isso que ninguém acredita que Levy seja capaz de entregar superavit primário (economia para o pagamento de juros) de 0,7% do PIB em 2016. Tudo leva a crer que serão três anos seguidos de deficit fiscal.
Essa realidade, acrescenta Freitas, faz com que, em vez de caminhar em direção ao futuro, o Brasil esteja flertando com o passado. “Corremos o risco de repetir o que se viu no Plano Verão, de 1989, quando o país adotou uma moeda indexada. Tudo girava em torno dos títulos emitidos pelo governo corrigidos pela Selic”, explica. “Ainda não estamos lá, mas já caminhamos em direção ao passado”, frisa. O mais preocupante é que não há ninguém hoje no governo com capacidade para inverter a rota do desastre. Nem mesmo Levy, que se tornou um ministro sem voz em decisões estratégicas sobre as contas públicas.
O ministro da Fazenda, por sinal, deixou Brasília na noite de quinta-feira, a despeito de todo o debate dentro do governo sobre a definição da meta fiscal de 2015. Quando ele chegou ao governo, prometeu entregar superavit de 1,1% do PIB. A contragosto, foi obrigado a reduzir a meta fiscal deste ano para 0,15% assim como as de exercícios seguintes. A maior derrota dele, porém, foi o enviou ao Congresso da proposta orçamentária de 2016 com rombo de R$ 30,5 bilhões. Ele sequer foi consultado.
Descrédito
Para Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Asset Brasil, levará tempo para reverter tantos erros. Ele acredita que, em 2016, ao contrário do que prega Levy, que fala em retomada da atividade, o PIB cairá pelo menos 2%. Isso significa dizer que, em dois anos, a economia encolherá mais de 5%, se confirmado o tombo de 3% em 2015. No entender dele, apesar de toda essa contração, o BC terá que lidar com a inflação testando no teto da meta, de 6,5%.
Póvoa ressalta ainda que, diante da incapacidade de derrubar a inflação deste ano, de 10%, para 4,5%, no próximo, o BC não deveria ter assumido tal compromisso público. Como, agora, foi obrigado a jogar a toalha, acabou perdendo credibilidade. “O BC tem tido um comportamento errático. No primeiro mandato de Dilma, errou ao reduzir os juros mesmo com a inflação em alta. Neste momento, erra ao prometer o que não poderia cumprir. Da próxima vez que a autoridade monetária se comprometer com qualquer coisa, todos ficarão perguntando quando mudará posição”, afirma.
Nesse quadro de tanta incerteza, fica difícil olhar para a frente e ver sinais de melhora. O governo vai seguir a cartilha de Lula e difundir um discurso de que o pior já passou e a hora é de falar em crescimento. Mas nem a melhor propaganda enganosa será capaz de convencer quem perdeu o emprego, está endividado e sofre para botar comida à mesa que os bons ventos estão de volta. Infelizmente, estão todos tragados pelo furacão da recessão e da desconfiança.
Brasília, 00h10min