“Fundos de pensão precisam ter transparência”, diz chefe da Previc

Compartilhe

POR ANTONIO TEMÓTEO

Supervisionar os 307 fundos de pensão do país é a tarefa do economista José Roberto Ferreira, chefe da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Com deficit acumulado de R$ 73,2 bilhões até o 1º trimestre de 2016, as fundações devem manter o resultado negativo até dezembro. Apesar disso, ele avalia que a melhora das expectativas do mercado e a valorização dos ativos na Bolsa de Valores de São Paulo têm potencial para reverter esse quadro no próximo ano, caso o governo ajuste as contas públicas.

Em meio aos desafios para reduzir os resultados negativos, Ferreira avalia que os participantes precisam ficar atentos a tudo que acontece nos fundos. “Eles não precisam se preocupar de maneira demasiada, mas não podem entrar em zona de conforto, tendo em vista que são os principais interessado no assunto”, afirma em entrevista concedida na sede da Previc, em Brasília.

Para ele, quem contribui mensalmente para complementar a renda no momento da aposentadoria deve buscar informações nas fundações para saber o que levou ao eventual resultado negativo. “Transparência é um direito do participante e uma obrigação da entidade. Ela precisa prestar as informações. Os atos em geral, embora de natureza privada, têm que ser públicos”, destaca.

O chefe da Previc alerta que tem acompanhado com lupa as mudanças nas entidades patrocinadas por estatais. E diz que a autarquia pode ser acionada pelos beneficiários quando qualquer problema acontecer.

Os participantes dos fundos de pensão devem se preocupar com a possibilidade de novos deficits?
Eles precisam ficar atentos. Não precisam se preocupar de maneira demasiada, mas não podem entrar em zona de conforto, tendo em vista que são os principais interessados no assunto.

Os resultados dos fundos de pensão apresentaram alguma melhora após o deficit de R$ 78,8 bilhões acumulado em 2015?
No primeiro trimestre de 2016, houve sinais de melhoria. Houve redução de 10% no número de planos em equilíbrio e aumento de 13% no de superavitários. O superavit consolidado passou de R$ 13,8 bilhões para R$ 15,2 bilhões. Já o total de planos deficitários cresceu em escala menor, de 5,3%. E o deficit acumulado caiu para R$ 73,2 bilhões.

O momento político tem influenciado os mercados, com a valorização dos ativos financeiros. Isso tem favorecido os fundos?
Sim. Apesar do cenário desafiador, quando traçamos uma curva de tendência, é possível ver um início de inflexão. Nos últimos três exercícios, os resultados dos fundos foram negativos; agora, é o primeiro momento em que se percebe uma mudança nessa curva.

De maneira prática, 2016 ainda será um ano de deficits e o próximo tende a ser melhor?
Há elementos para esse cenário se confirmar. Nosso grande desafio é bater a meta atuarial, sob o aspecto financeiro, e ter um controle sobre longevidade. Quanto à longevidade, isso já é feito no dia a dia por meio da busca pelas aderências adequadas em cada um dos planos de benefícios. Sobre o aspecto financeiro, há uma tendência de redução brusca da inflação no próximo exercício. Em termos de juros, o mercado vê perspectiva de voltarmos a trabalhar com taxas de um dígito no fim de 2017.

Com a mudança de governo, houve troca no comando de estatais e, consequentemente, nos fundos de pensão. Mas alguns problemas têm ocorrido durante esse processo. Como a Previc atuará nesses casos?
O acompanhamento tem sido estreito, próximo e objetivo. Neste momento (a entrevista foi concedida na tarde da última quarta-feira), o diretor de Fiscalização participa de uma reunião do conselho deliberativo de uma entidade para tratar de uma eventual revisão na composição da diretoria executiva). O ajuste que ocorreu há alguns dias, na nossa visão, foi equivocado e precisamos retificar esse entendimento. Alterações na direção de estatal, por vezes, provoca influência na diretoria executiva dos fundos. Mas quem referenda ou não essa troca é o conselho deliberativo, que tem estabilidade, mandato e autonomia.

E como o participante deve participar desse processo?
Ele deve buscar os interesses dele. Transparência não é só um direito do participante, é uma obrigação da entidade. Os atos em geral, embora de natureza privada, têm que ser públicos para o participante. Claro que a operações em curso, por questão de sigilo e interesse da entidade, não cabe dar publicidade. Mas, tão logo seja concluída uma operação, é necessário que o participante tenha acesso aos dados. Os fundos têm obrigação de prestar informações. Se houver dificuldade, a Previc pode ser acionada. Nosso papel é o de proteger o interesse do participante.

“A qualificação da governança é importante.
Quanto mais profissionais qualificados
no conselho e na diretoria, melhor”

O Congresso Nacional discute mudanças na legislação dos fundos de pensão. O que o texto traz de positivo?
A qualificação da governança é importante. Algumas associações — de participantes e de entidades — têm questionado a figura de um agente externo nos conselhos ou na diretoria executiva dos fundos. Para elas, deve ser preservada a representação dos participantes e patrocinadores. Em nossa opinião, todo processo que possa trazer maior qualificação é positivo. Quanto mais profissionais qualificados no conselho e na diretoria, melhor. Essa é a essência. Após garantir a qualificação, se houver a possibilidade de esse profissional qualificado ser um participante do plano ou indicado pelo patrocinador, ótimo. Mas, se ele não tiver os atributos de qualificação, não julgamos adequado.

E como seria esse processo de recrutamento de profissionais?
O texto menciona um processo público. Não se pode confundir com concurso público, que não se aplica a uma entidade privada. Deve ser um processo de recrutamento amplo para qualquer representante dos participantes, dos empregados e do patrocinador.

Quais são os pontos preocupantes do projeto de lei?
A tentativa de que o comitê de investimentos e a auditoria externa sejam alçados a órgãos estatutários. Pela lei, teriam o mesmo destaque que o conselho deliberativo, o conselho fiscal e a diretoria executiva. A estrutura estatutária seria ampliada. Nossa preocupação é em relação a quesitos de responsabilidade. Pode haver uma área sombra e conflito de competências. Eles têm um caráter de assessoria, tendo em vista que quem responde pela gestão é a diretoria executiva. Em relação à auditoria externa, é preciso delimitar melhor o seu papel, até porque já existe um conselho fiscal.

Algumas normas podem afetar a Previc?
O projeto fala em estabelecer mandato para os diretores da Previc. No nosso ponto de vista, tudo que vier para aperfeiçoar o modelo de governança das entidades de supervisão é bem-vindo. Só ressaltamos que, desde sua criação, a Previc trabalha como órgão de Estado. Variáveis de natureza política não têm tido influência. Pela autonomia administrativa e financeira conferida por lei, não existe a possibilidade de um ato administrativo da Previc ser reformado por qualquer autoridade.

O projeto blindará as entidades de ingerências políticas?
No nosso ponto de vista, sim. Há dois pontos. O primeiro trata da eventual vinculação político-partidária de dirigentes e oferece um prazo de desvinculação de dois anos. E a mesma coisa para cargos de confiança exercidos no patrocinador.

O governo também enviou ao Congresso uma proposta para que a Funpresp seja autorizada a administrar planos de benefícios para estados e municípios. A medida é interessante?
Ela é interessante, relevante e fundamental para as discussões em curso, já que pode ser inserida em uma estratégia de reforma da Previdência. Seja por uma espécie de efeito compensação, seja por necessidade de transição entre regimes, o fato é que os desafios do regime geral não são menores do que o dos regimes próprios dos servidores públicos. A ideia de ter uma entidade única que administre vários planos é convergente do ponto de vista de escala. Nem todos os estados e municípios têm condições de administrar seu próprio fundo de pensão.

“Os fundos têm obrigação de prestar informações.
Se houver dificuldade, a Previc pode ser acionada.
Nosso papel é o de proteger o interesse do participante”

O governo não deveria aproveitar as discussões no Congresso para aprovar a adesão automática para os fundos de pensão?
Eu entendo que sim. Um estudo recente feito na Inglaterra mostra a eficácia da inscrição automática. É natural que o assunto em outros países tenha outro contorno, porque o arcabouço legislativo é diferenciado. No entanto, a ideia da inscrição automática vem em favor do potencial participante. Entendemos a preocupação de essa medida concorrer com o preceito constitucional da facultatividade, mas me parece que essa é uma questão interpretação é aplicação do que de discordância. Nos parece que a partir do momento que o participante tem a prerrogativa, de forma facultativa, de não permanecer no plano ele tem o direito garantido. A adesão automática seria interessante para o sistema.

O que mais deveria ser incorporado à discussão?
Outros dois pontos importantes deveriam estar debatidos. É necessário um diferimento tributário e um tratamento mais equânime dos fundos em relação à previdência privada. É mais estimulante optar pelo VGBL do que contribuir para um fundo de pensão. Profissionais liberais ou empresas que declaram por lucro presumido não podem deduzir da base de cálculo as contribuições ao fundo. O participante também deveria ter mais tempo para decidir pela tabela regressiva ou progressiva de tributação. Apenas 60 dias para tomar essa decisão é pouco.

Qual seria o segundo ponto?
Ele está relacionado ao patrimônio de afetação. A única pessoa jurídica envolvida em uma relação previdenciária sobre o aspecto da entidade é a própria entidade. A Lei nº 109, de 2001, reconhece que os planos de previdência não podem ter seus recursos compartilhados. Eles têm que ser segregados. No nosso ponto de vista, além da separação existente, deve haver uma segregação entre os planos e a entidade. Hoje, a entidade contabiliza os recursos por plano, mas o entendimento do Judiciário é de que a única pessoa jurídica nessa relação é a entidade. Como tal, acontece, às vezes, de um plano se valer de recursos de outro para dar suporte a uma decisão judicial de pagamento de benefício. E isso é indevido. A própria Lei nº 109 segrega os patrimônios, mas isso não tem sido suficiente para que o Judiciário possa ter esse entendimento. Seria importante que cada plano tivesse seu próprio patrimônio.

E o debate para fomentar o sistema? Os planos setoriais devem sair do papel?
O tema foi objeto de uma instrução da Previc. Os planos setoriais não exigem aperfeiçoamento legal e normativo. A ideia é simples. Grandes organizações de natureza patronal, como federações, confederações, associações e cooperativas, poderiam implementar um plano de previdência associativa. Essas organizações têm no seu quadro social as empresas. Essas companhias podem participar de um arranjo previdenciário como instituidores e oferecer aos empregados os planos de benefícios.

“É necessário um diferimento tributário
e um tratamento mais equânime dos
fundos em relação à previdência privada”

Já chegaram à Previc pedidos para criação de planos setoriais?
Ainda não. A medida é recente. E, no momento econômico do país, a empresas estão mais avaliando suas condições de sobrevivência do que pensando em implementar planos de previdência. Tão logo o cenário melhore, haverá um ambiente mais adequado. Mas o importante é que o sistema é sólido e que justifica ser o oitavo maior do mundo. Além disso, paga bilhões de reais em benefícios por ano, o que não nos deixa entrar em uma zona de conforto. E o participante deve manter a atenção pelo seu interesse que é o maior de todos.

Brasília, 13h30min

Vicente Nunes