POR PAULO SILVA PINTO E HAMILTON FERRARI
Os funcionários públicos brasileiros têm pouco o que reclamar dos salários caso vejam a remuneração que recebem trabalhadores com a mesma função no exterior. A comparação tornou-se mais fácil após a popularização de páginas na internet com informações salariais sobre todas as profissões, como, por exemplo, o site norte-americano PayScale (www.payscale.com). A robustez dos rendimentos do funcionalismo no país pode ser notada em funções dos Três Poderes. Mas, nos casos do Legislativo e do Judiciário, o contraste é ainda maior. Isso ocorre apesar de os Estados Unidos terem renda por habitante cinco vezes superior à brasileira.
“Não é à toa que os concursos são tão concorridos no Brasil”, destaca o economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ele explica que o poder de lobby dos funcionários públicos é muito forte no país. “Eles tratam no dia a dia com os administradores eleitos, que dependem da burocracia”, diz.
A confrontação dos valores não é trivial, porque, nos Estados Unidos, a remuneração é apresentada por hora ou então pela soma do que se recebe em um ano, enquanto no Brasil a referência para o salário é mensal. Há também vantagens que são de difícil contabilização no caso dos brasileiros: vale-refeição, que chega a R$ 700 mensais no Legislativo, e diversos tipos de auxílio, ignorados na análise.
Funções comissionadas
Em todos os Poderes, o funcionário pode também ter uma função comissionada, em geral para os cargos de chefia, que não é levada em conta na comparação. Tampouco são considerados os benefícios previdenciários: funcionários públicos brasileiros que entraram por concurso anterior a 2013 têm direito a aposentadoria integral. Os contratados depois disso têm um fundo de pensão no qual as contribuições são altamente subsidiadas. Nos Estados Unidos, inexiste padrão: cada órgão tem um fundo de pensão específico”. Outra peculiaridade brasileira é a estabilidade no emprego, que não existe nos EUA.
“A deturpação em relação aos salários do setor privado ocorre, sobretudo, na remuneração inicial”, aponta Camargo. Isso se deve aos aumentos aprovados no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sucessora, Dilma Rousseff, conteve os salários. Os vencimentos mais altos acabam por ser limitados pelo teto, a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 33,7 mil.
Um fiscal da Receita Federal, por exemplo, recebe R$ 15.743 quando entra na carreira, o dobro da remuneração do Internal Revenue Service (IRS), o congênere norte-americano. No topo da carreira, ganha-se mais nos Estados Unidos do que no Brasil, em termos nominais. Analistas do Judiciário e do Legislativo recebem mais aqui do que no exterior, do começo ao fim da carreira (veja quadro abaixo).
Camargo, da PUC-Rio, afirma que a correção das diferenças entre o setor público e o setor privado no Brasil exigiria deixar os funcionários públicos com aumento inferior à inflação durante vários anos. “Politicamente, isso é muito difícil fazer”, avalia. O projeto de lei que estabelece reajustes nos próximos anos garante índice ligeiramente superior à expectativa de inflação média, exceto no Judiciário, que poderá ter, em alguns casos, o dobro do avanço em relação à variação dos preços.
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Cládio Damasceno, alega que a comparação realizada leva em conta realidades distintas. “Nos Estados Unidos, a inflação está sob controle. Além disso, nos EUA, a atividade de alfândega é separada da atividade de auditor-fiscal. No Brasil é tudo junto”, afirma.
Defasagem
Agentes da Polícia Federal são os que têm a maior defasagem em relação aos norte-americanos dentre as carreiras pesquisadas. O salário final é um terço do que se recebe nos Estados Unidos. Mas, no início da carreira, o ganho nos dois países é bem semelhante, ainda que seja inferior no Brasil. Luís Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), diz que há uma diferença gritante entre o tratamento que os agentes recebem nos Estados Unidos e no Brasil.
“No primeiro mundo há uma cultura tanto entre as pessoas, quanto no setor público de homenagear agentes de segurança pública. Nos Estados Unidos os policiais são super reconhecidos. Infelizmente, aqui no Brasil, o profissional é totalmente desvalorizado”, afirma Boudens. Ele argumenta que os agentes, nos EUA, têm vantagens. “Nós não temos isenção de impostos na compra de armas, auxílio para aquisição de imóveis ou plano de saúde”, acrescenta.
Primeiro mundo
Quanto recebem funcionários públicos no Brasil e nos EUA em funções comparáveis
Fiscal da Receita Federal
Por ano nos EUA
R$ 111.252 a R$ 360.533
Por ano no Brasil
R$ 204.659 a R$ 292.708
Por mês nos EUA
R$ 8.558 a R$ 27.733
Por mês no Brasil
R$ 15.743 a R$ 22.516
Agente da Polícia Federal
Por ano nos EUA
R$ 132.639 a R$ 462.163
Por ano no Brasil
R$ 113.126 a 178.828
Por mês nos EUA
R$ 10.203 a R$ 35.551
Por mês no Brasil
R$ 8.702 a R$ 13.756
Analista legislativo
Por ano nos EUA
R$ 120.592 a R$ 283.092
Por ano no Brasil
R$ 264.979 a R$ 338.052
Por mês nos EUA
R$ 9.276 a R$ 21.776
Por mês no Brasil
R$ 20.383 a R$ 26.004
Analista judiciário
Por ano nos EUA
R$ 77.319 a R$ 173.875
Por ano no Brasil
R$ 115.206 a R$ 218.777
Por mês nos EUA
R$ 5.947 a R$ 13.375
Por mês no Brasil
R$ 8.862 a R$ 16.829
Fontes: PaysScale, Boletim Estatístico de Pessoal do Governo Federal, Câmara dos Deputados, Tribunal Federal da 2ª Região
Brasília, 11h50min