Funchal admite que inflação foi a maior responsável por melhora na arrecadação

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ROSANA HESSEL

Apesar de sempre afirmar que as contas públicas estão melhorando, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, admitiu, finalmente, que a maior responsável pelo forte aumento da arrecadação e da redução da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), neste ano, é a inflação. Segundo ele, a carestia deve ter um peso de dois terços (67%) nesse aumento de receita. Os cerca de um terço (33%) restantes são relacionados ao crescimento da economia em torno de 5% em 2021.

Pelos cálculos do secretário, o impacto da inflação e do crescimento na receita federal com tributos seguem mais ou menos a regra de quem investe na Bolsa de Valores. “Um terço desse impacto é crescimento, que é o efeito quantidade, mas a gente sabe que existe o efeito preço. Tanto o efeito de commodities internacionais quanto o diferencial do deflator do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) positivo, que é maior e tem um impacto na redução da dívida”, disse Funchal, nesta sexta-feira (03/09), durante um evento virtual para investidores do mercado financeiro. “A arrecadação tem um componente de crescimento (do PIB) e tem um componente forte que é a inflação. E esse componente preço equivale a dois terços”, acrescentou.

De acordo com Funchal, os sucessivos aumentos mensais na  arrecadação ajudaram o governo a reduzir as previsões de deficit primário neste ano, atualmente em R$ 155 bilhões, quando, inicialmente, essa projeção era de um rombo de R$ 287 bilhões. Além disso, ele prevê uma dívida pública bruta perto de 80% do PIB neste ano após essa taxa ter ficado perto de 90% no fim de 2020.

As contas públicas estão no vermelho desde 2014 e Funchal acredita que é possível o governo voltar a registrar superavit primário em 2023. Antes, segundo ele, a previsão era de as contas voltarem para o azul apenas em 2027. O governo prevê no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), enviado ao Congresso no último dia 31, um rombo de quase R$ 50 bilhões nas contas do governo central, que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social. Já a meta fiscal prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), permite um saldo negativo de até R$ 170,5 bilhões.

O secretário especial destacou que o aumento da arrecadação ajuda a reduzir a dívida pública e o fato de os gastos não aumentarem no mesmo ritmo do crescimento do PIB é decorrente da manutenção da regra do teto — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. “Mas é preciso bater na mesma tecla de que a melhora do resultado é porque estamos controlando a despesa”, afirmou.

No mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comemorou os dados recordes da arrecadação no ano e disse que isso refletia uma retomada “vigorosa”. Ele, inclusive, minimizou o impacto da inflação nos dados e vinha, constantemente, falando que a economia “estava bombando”. Conduto, nesta semana, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que a retomada não está tão robusta, pois o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% no segundo trimestre e analistas do mercado não param de revisar as projeções para baixo após a frustração com o resultado. E, para piorar, a queda de 1,3% na produção industrial reforçou o alerta de que o país está caminhando para uma nova recessão ou mesmo para a estagflação.

Colchão de liquidez

Funchal voltou a minimizar as incertezas do mercado em relação à sustentabilidade das contas públicas em meio às dúvidas em relação a como o governo vai conseguir resolver o problema dos precatórios e ainda conseguir criar um novo Bolsa Família de, pelo menos, R$ 300 como o presidente Jair Bolsonaro vem prometendo — o que vem gerando muita volatilidade no mercado financeiro. Segundo ele, o governo está se preparando com medidas para reforçar o colchão de liquidez para os próximos leilões, e, assim, evitar uma explosão dos juros cobrados na emissão de títulos públicos.

“Existem ruídos dessa questão fiscal e temos que endereçar os principais pontos de incerteza. O governo está se preparando”, disse ele, lembrando que, nos últimos leilões, quando houve muita volatilidade, o Tesouro Nacional “tirou o pé do acelerador das emissões”.  “Nosso colchão de liquidez é de mais de R$ 1 trilhão, e o Tesouro consegue pagar mais de nove meses de vencimentos”, disse ele, que, depois desta semana, há um segundo grande volume de títulos no próximo mês, e, com o estoque do colchão é possível administrar, apesar de reduzir os prazos de vencimentos.

Uma das medidas que o governo adotou para ampliar esse colchão foi ampliar o volume de devoluções dos aportes da União nos bancos públicos, principalmente, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outra medida foi a desvinculação dos fundos federais, garantida pela PEC Emergencial, aprovada no início do ano. Segundo Funchal, isso garantiu R$ 170 bilhões para garantir a liquidez dos títulos públicos.

Em relação à redução da participação dos estrangeiros na compra de títulos do governo brasileiro, Funchal reconheceu a necessidade de uma maior preocupação do governo sustentabilidade ambiental. “Depois que o Brasil perdeu o grau de investimento, a queda da proporção de estrangeiros na dívida do país foi bastante grande. Hoje, a maior parte é investidor doméstico,  de 91% a 92%, e 8% a 9% estão nas mãos de não residentes. Para se financiar, a gente foca no mercado loca, mas, nem por isso, deixamos de olhar também para o interesse dos estrangeiros”, disse.

As principais preocupações do investidor doméstico, segundo Funchal, são os riscos político e fiscal, que estão “mais ou menos alinhadas” com os estrangeiros, que também focam na questão ambiental. “E por conta disso, o PAF (Plano Anual de Financiamento) deste ano incluiu, pela primeira vez a pauta ESG. Estamos construindo uma plataforma para uma futura emissão de um bond soberano em ESG”, disse ele, em referência à sigla que se refere às melhores práticas ambientais, sociais e de governança no mercado global.

Vicente Nunes