FORÇA JOVEM É DESTRUÍDA SEM PIEDADE

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“Eu fico triste, alegre. Sem beber, eu fico triste. Bebendo, fico alegre”(Guilherme e Santiago)

>> DIEGO AMORIM

O primeiro porre nunca se esquece. E, em muitos lares, é a própria família quem incentiva a embriaguez precoce, como algo lúdico e festivo. Dar PT — abreviação de perda total —, como os jovens gostam de dizer, costuma servir de marco para a entrada na vida adulta: um ritual cada vez mais antecipado no Brasil, onde o consumo do álcool começa entre os 11 e 13 anos. Inicialmente despretensiosos, os repetidos goles têm ajudado a matar a força produtiva do país.

No mundo, o álcool provoca a morte de 320 mil jovens por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, homens entre os 15 e 29 anos, justamente a faixa etária que mais consome álcool, lideram o ranking de vítimas de causas violentas, tantas vezes potencializadas pelo uso da bebida. “É uma realidade assustadora”, constata a diretora de Vigilância e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, Deborah Malta.

O alcoolismo retarda o desenvolvimento da juventude e, consequentemente, do país. Quem mergulha na bebida antes dos 18 anos prejudica a formação do cérebro e a capacidade de memória, abrindo brechas para transtornos cognitivos. “Estamos criando adultos que fracassarão tanto na vida pessoal quanto na profissional”, alerta o presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), Jorge Jaber.

Dono da sétima população jovem do mundo, o Brasil abriga cerca de 51 milhões de meninos e meninas que deveriam ser capazes de transformar o presente e o futuro. Parte deles, porém, terá a vida ceifada por problemas relacionados ao álcool, sobretudo a violência. “Não é estratégico para uma nação perder jovens por causas evitáveis”, defende Anna Cunha, oficial de programa do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa).

Sem mudança de mentalidade e ações efetivas do governo, jovens como Lucas* seguem vulneráveis aos encantos do álcool. Ele tem 22 anos e bebe desde os 17. “Só paro se a indústria da bebida acabar”, avisa ele, enquanto entorna a segunda garrafa de cerveja em plena tarde de segunda-feira, em um boteco da Estrutural, na periferia de Brasília. “Bebo para clarear as ideias”, justifica o jovem, há um mês desempregado e com pouco ânimo para procurar outra oportunidade de trabalho.

Parceiro de copo, Alex*, 27 anos, usa outras drogas, como a maconha e a cocaína. “Mas a mais pesada é a maldita da cachaça. Depois que bebo, não tenho coragem nem de levantar da cama”, conta. As bebedeiras atrapalharam os estudos de Alex, que frequentou a escola até o quinto ano do ensino fundamental. Foi embriagado que ele engravidou quatro mulheres e ameaçou uma delas com faca. “Parti para cima porque ninguém atrapalha minha liberdade de beber”, afirma, valente, o jovem que chegou a ser preso e hoje presta serviços comunitários.

Levantamentos recentes do Ministério da Saúde indicam um cenário preocupante. Dos alunos de 13 e 15 anos, 66% admitem ter provado álcool, e 21,8% deles já ficaram bêbados pelo menos uma vez. “O álcool é muito mais consumido pelos jovens do que o tabaco”, pontua a médica Deborah Malta, coordenadora das pesquisas. “O fato de as pessoas começarem a beber muito cedo contribui para que um problema grave seja visto como hábito normal”, sublinha o diretor técnico da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (Abqv), Alberto Ogata.

Sequelas

Pouco mais da metade dos jovens que consome álcool apresenta problemas de saúde, psicológicos e familiares, mostram as estatísticas. “O álcool compromete a motivação para os estudos, para o trabalho e trava a força produtiva do país”, comenta Carolina Hanna, pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA). Os estragos no corpo e na mente podem levar de 15 a 20 anos para se manifestar. “Um jovem que começa a beber antes dos 18 anos chegará à vida adulta com sequelas”, antecipa o psiquiatra Erin Hunter.

Apesar de a venda de bebidas alcoólicas ser proibida para menores, o consumo pela garotada é prática comum. O Ministério da Saúde constatou que 21,9% dos alunos compram bebida em mercados, lojas, bares ou supermercados sem nenhum tipo de entrave. Rodrigo* nunca teve dificuldades de acesso ao álcool. Começou aos 15 anos, tomando cachaça adoçada. “Era minha amiga de infância”, define, rindo. Estudante do curso de letras em uma universidade pública, o jovem de 21 anos bebe pelo menos cinco vezes por semana. “Tudo é motivo para beber, e sempre me programo para exagerar”, revela.

Luciano*, da mesma idade de Rodrigo, dificilmente anda sem alguma garrafa de uísque ou vodca na mochila. Ele estuda para ser piloto de helicóptero e diz que, por enquanto, o vício não atrapalha a rotina. “Já faltei aula por causa de ressaca, mas uma hora sei que vou me dar mal de verdade. Não vou conseguir parar de beber”, solta ele, que recusa um cigarro de maconha enquanto conversa com a reportagem na porta de uma balada em Brasília. “Valeu, fico só no álcool.”

(*) Nomes fictícios.

Brasília, 20:30min

Vicente Nunes