“FORA LEVY”

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Na guerra do governo para preservar o mandato da presidente Dilma Rousseff vale-tudo, inclusive entregar a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Os discursos dos últimos dois dias da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula deixaram claro que, se for preciso, o ajuste fiscal que o chefe da equipe econômica tanto defende será defenestrado, ainda que, oficialmente, o governo não assuma que jogou a toalha. A estratégia do Palácio do Planalto para garantir a sobrevivência de Dilma é se aproximar dos movimentos sociais, mais precisamente das centrais sindicais, que têm forte capacidade de mobilização nas ruas. A presidente, sob a orientação de Lula, acredita que, apoiada por representantes de trabalhadores, ostentará um importante contraponto ao Congresso, que se mostra propenso a abrir o processo de impeachment da petista. As centrais sindicais, no entanto, são contra o ajuste fiscal de Levy. Seus líderes reforçam apoio a qualquer ação do governo para manter Dilma no poder, mas ressalvam que não concordam com a política de arrocho anunciada pelo ministro. A presidente está ciente dessas posições — e não é de hoje. Até o impeachment se tornar uma possibilidade real, ela insistia, mesmo que timidamente, na importância de se fazer o ajuste fiscal. Agora, não emite sequer uma palavra de apoio ao subordinado. Por lealdade ao ministro da Fazenda, era esperado que, ao participar do Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), na noite de terça-feira, Dilma pelo menos o defendesse. Mas, desde que chegou ao evento, com mais de 2,5 mil participantes, optou pelo silêncio em resposta a todas as queixas contra as propostas de Levy para ajustar as contas públicas. A presidente só queria uma coisa: atacar aqueles que defendem o fim de seu governo. Dilma foi ovacionada, mas, com os gritos de apoio, ouviu um coro de “fora Levy”, que se repetiu com mais força ao longo do pronunciamento de Lula. O ex-presidente, porém, aproveitou a gritaria para insuflar os sindicalistas contra o ministro. Como nas propagandas enganosas do PT que ajudaram a reeleger a petista no ano passado, Lula disse, sem constrangimento, que “não há país no mundo que tenha feito ajuste fiscal e melhorado”. Propaganda enganosa Para não ser agressivo ao afirmar que o ex-presidente mentiu, vamos dizer que ele anda com a memória muito, mas muito curta. Quando tomou posse para o primeiro mandato, em janeiro de 2003, Lula tratou de pôr em prática um dos mais duros ajustes fiscais da história do país. Com a Fazenda sob o comando de Antonio Palocci, aumentou o superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) para mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). O arrocho foi tão forte, com o intuito de dar um choque de credibilidade, que o Brasil mergulhou na recessão. Mas seis meses depois, a economia já mostrava reação. O compromisso com a austeridade trouxe de volta a confiança dos agentes econômicos e, com ela, os investimentos produtivos. A inflação desabou e o Banco Central deu início a um longo processo de redução da taxa básica de juros (Selic). Com a estabilidade econômica fincada sobre os reforçados tripés — ajuste fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação —, o país deu início a um importante ciclo de crescimento. Nesse ambiente extremamente favorável, Lula pode executar o maior programa de distribuição de renda da história do país. Nada disso, porém, seria possível se não tivesse havido um comprometimento concreto com a sustentabilidade das contas públicas e com o controle da inflação. Caso Lula tivesse seguido a cartilha do PT, que ele rasgou durante a campanha de 2002, ao lançar a “Carta ao povo brasileiro”, certamente não teria terminado o primeiro mandato, abalado pelas denúncias do mensalão. Naquele momento, a sensação de bem-estar da população era tão grande — a inflação de 2006 ficou ligeiramente acima de 3% —, que o apoio popular garantiu mais quatro anos ao petista no Palácio do Planalto, mesmo sabendo que a corrupção que havia se instalado no governo era de dimensões continentais. Populismo Agora, na visão de Lula, Dilma deve se apegar ao antigo pensamento petista para se manter no poder. E isso passa, necessariamente, por jogar no lixo o ajuste fiscal defendido por Levy. Mas justiça seja feita: desde o segundo mandato de Lula, o pensamento equivocado do PT vem ditando a política econômica do governo. E ganhou musculatura quando Dilma chegou ao Planalto e adotou a nova matriz econômica, a base do desastre que o país vive hoje. Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o que se vê é um retrato do populismo que ameaça o Brasil e está custando caríssimo para a população. “O governo finge que faz um ajuste fiscal, só que ninguém acredita. Com isso, a economia está travada, a inflação continua alta, o que obriga o Banco Central a manter os juros elevados por um tempo muito longo”, diz. A fatura vai além: os juros altos fazem as contas públicas piorarem e a dívida do Tesouro Nacional atingir níveis alarmantes. Mas o que isso importa para Dilma e seu criador, Lula? Para eles, o que vale mesmo é manter a estrutura de poder, mesmo em um país quebrado. Ainda que de joelhos, o Brasil é um filão e tanto para grupos específicos que querem usufruir de benesses. Há muito o que sugar. A população? Bem, ela que se contente com desemprego, carestia, salários em queda, filhos tendo que trocar escolas particulares por colégios públicos que nem aula têm.

Brasília, 08h45min

Vicente Nunes