A demissão de Maria Silvia Bastos Marques da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acendeu o sinal de alerta entre os investidores. Há o receio de que a equipe técnica formada pelo presidente Michel Temer para comandar a economia se enfraqueça na missão de levar adiante o ajuste nas contas públicas e o esforço para se aprovar, no Congresso, as reformas trabalhista e da Previdência Social.
Não há como negar a importância de Maria Silvia para a credibilidade do governo, mas ela está longe de representar o estrago que haveria na economia se houvesse mudanças nos comandos do Ministério da Fazenda, do Banco Central e da Petrobras. Tão logo a executiva anunciou sua decisão, os donos do dinheiro começaram a se perguntar qual seria o destino de Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn e Pedro Parente. Temeu-se por uma debandada.
A economia hoje é o alicerce do governo Temer. Desde que o presidente tomou posse, há um ano, os investidores depositaram uma enorme confiança na capacidade da equipe liderada por Meirelles de resgatar o país da recessão. Apesar de a recuperação da atividade estar mais lenta que o imaginado e o desejado, há números que dão extremo conforto ao mercado. A inflação está abaixo do centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5%, o que não se vê desde 2009. As taxas de juros estão em queda e podem fechar o ano em um dígito. O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre cresceu cerca de 1%, pondo fim, tecnicamente, à recessão que arrasou o país por dois anos.
Como diz um banqueiro com bom trânsito no governo, o Brasil ainda não está no melhor dos mundos, mas um horizonte importante se abriu. O fundamental é que o núcleo da equipe econômica seja mantido e que a crise política que se instalou com força não mine a confiança na recuperação do país. Por isso, afirma o banqueiro, é importantíssimo que o Congresso não frustre a perspectiva de aprovação das reformas ainda neste ano.
Governo grátis
Dentro do Palácio do Planalto, a avaliação sobre a saída de Maria Silvia do comando do BNDES veio em momento ruim, pois alimenta o discurso de fragilidade do governo. A torcida é para que o fim de semana esfrie os ânimos dos investidores. A aposta é de que, do ponto de vista da economia, os próximos dias serão muito positivos. Na quarta-feira, 31, o Banco Central anunciará nova redução na taxa básica de juros (Selic). A despeito de a visão majoritária dos analistas ser de um corte de um ponto percentual, assessores de Temer ainda acreditam em uma queda maior, de 1,25 ponto, para 10% ao ano.
No dia seguinte, 1º de junho, será a vez de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciar o resultado do PIB do primeiro trimestre. Todo o governo está mobilizado para martelar o discurso de que a retomada da economia é para valer e que, depois de um longo período de sofrimento, o país saiu da recessão. A próxima etapa será recuperar o emprego. “Não há por que nos rendermos. Temos boas notícias para dar. Perdemos uma pessoa importante na equipe, mas isso não é motivo para ficarmos acuados”, afirma um técnico graduado.
O Planalto acredita que conseguiu minimizar o impacto negativo da demissão de Maria Silvia ao anunciar o economista Paulo Rabello de Castro para o BNDES. Ele é considerado um excelente economista e tem ótimo trânsito com o empresariado, sobretudo o paulista, que mais vinha batendo na ex-presidente do banco público. Resta saber se Castro, que presidia o IBGE, vai ceder às pressões para aliviar as regras de empréstimos do BNDES. A linha dura baixada por Maria Silvia na concessão de financiamentos irritou a área política do governo.
O discurso de Castro sempre foi contrário à concessão de benesses pelo governo. Ele deixa isso bem claro no seu mais recente livro, O mito do governo grátis, “que promete distribuir vantagens e ganhos para todos, sem custos para ninguém; fenômeno político que está na raiz do declínio do vigor da economia brasileira e na estagnação de seu processo produtivo”. Vale lembrar que, nos governos Lula e Dilma Rousseff, o Tesouro Nacional enfiou R$ 500 bilhões no BNDES para financiar grupos escolhidos como campeões nacionais, entre eles, o JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, a Oi e o X, de Eike Batista. As condições favoráveis foram chamadas de bolsa empresário.
Amigos do rei
Maria Silvia acredita que todo o processo de reestruturação que foi feito no BNDES durante o período que ela comandou a instituição será mantido. Mas há muito a se avançar. Nos mais de 13 anos de governos petistas, a instituição se transformou em uma caixa-preta, cujo objetivo principal foi favorecer os amigos do rei. Portanto, o governo não pode recuar. As mesmas pressões que ajudaram a derrubar Maria Silvia vão perturbar Rabello de Castro.
Não é só: o BNDES será alvo de uma CPI no Congresso. À medida que o país for conhecendo todas as irregularidades que hoje são mantidas sob o manto do sigilo bancário, a imagem da instituição se desgastará ainda mais. A população não engole, hoje, a informação de que os irmãos Batista usaram dinheiro do banco — melhor, dos trabalhadores — para comprar, a juros subsidiados, apartamento em Nova York e uma lancha de fazer inveja aos homens mais ricos do planeta.
Nunca o país esteve tão ávido por saber como opera o BNDES. Aqueles que acreditam que, mudando o presidente da instituição, tudo voltará a ser como antes podem se preparar. Os ajustes feitos no banco e a blindagem técnica construída por Maria Silvia têm bases sólidas. Os tempos são outros. A farra com dinheiro público, pelo menos no BNDES, chegou ao fim.
Brasília, 06h30min